A minha querida esposa estava internada, há meses, e com
hipertensão. Não lhe dávamos café. E eu sabia quanto o café a animava e lhe
trazia alegria, mas tinha receio do descontrolo ainda maior dos seus dados
biométricos.
Um dia, falávamos no assunto e estava um grupo de
enfermeiras perto.
Subitamente, uma delas, certamente iluminada pelo Espírito
Santo, pergunta, mais ou menos assim:
- Mas a senhora quer um café?
A minha mulher não falou, respondeu com um sorriso.
- Mas é que vai beber já!
Respondeu a enfermeira, enquanto metia a mão à algibeira da
bata e tirava o porta-moedas. Estávamos junto a uma máquina automática de
cafés.
Colocou a moeda, tirou um café e serviu à minha mulher.
Que alegria, meu Deus!
Da minha mulher, que saboreava o café e espertava da
sonolência, minha por ver a sua felicidade e da enfermeira que pagou o café,
pelo resultado da sua acção.
Peço a Deus que pague à enfermeira, que eu já não
reconheceria, na hora em que ela se apresentar diante dEle.
Veio-me esta história à lembrança, agora, por causa de um
caso com algumas semelhanças. Uma pessoa minha amiga, que tem gosto em se
servir a bica, da máquina do café que tem em casa, mas que está avariada. E a
perturbação anímica que essa situação representa para esse amigo. A nora dela
disse para o marido:
- Temos que comprar uma máquina de café de fácil utilização
para a tua mãe. Ele começou logo a pesquisar preços no telefone.
A nora continuou:
- Está a chegar o Dia da mãe, se for caro, oferecemos nós, o
teu irmão, os netos, juntamo-nos todos.
O amor e a solidariedade também se fazem notar nos
pormenores e na atenção plena que damos aos outros. A atenção dada por alguém a
estas duas pessoas e a disponibilidade para as ajudar a sentirem-se felizes,
nisso podemos ser semelhantes a Deus, revelar um pedacinho de Deus em nós.
Em relação à tensão arterial da minha mulher, não foi
afectada por aquela chávena de café, nem pelas que bebeu nos dias seguintes.
Louvado seja Deus por nos fazer compreender estas coisas,
talvez pequeninas, mas é de coisas pequenas que se pode construir um amor
grande.
《Palácio da Assembleia Nacional onde se realizou a sessão inaugural da reunião do Pacto do Atlântico.》
Lembrar que só admitiram a entrada da Espanha em 1982.
12 Nações (ordem alfabética):
Bélgica
Canadá
Dinamarca
EUA
França
Grã Bretanha
Islândia
Itália
Luxemburgo
Noruega
Holanda
Portugal.
Que se reuniram em São Bento na Organização do Tratado do Atlântico Norte.
☆☆☆
Paul Henry Spaak no seu discurso:
《O novo Tratado é puramente defensivo, não se dirige contra ninguém, nem ameaça ninguém.
A
guerra é uma coisa odiosa e absurda que não resolve nada e as suas
consequências são quase tão pesadas para os conquistadores como para os
conquistados......
.....
Seria imperdoável ignorar as repetidas lições da História》
Assim nasceu a Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Fiz uma pequena recolha de notícias relativas à maneira como as mulheres são tratadas nos nossos dias.
Cito as fontes no final de cada notícia.
Não foram editadas as ortografias.
Foram eliminadas as ligações exteriores.
DIA DA MULHER
Um estupro coletivo a cada quatro horas na Índia: caso de brasileira expõe
histórico assustador de violência sexual
Território
indiano é considerado um dos mais perigosos do mundo para mulheres, com um
estupro registrado a cada 17 minutos
O
caso da brasileira naturalizada espanhola que foi estuprada por sete homens
em uma região remota do leste da Índia, por onde viajava com o marido,
colocou o histórico assustador de violência sexual do país asiático sob os
holofotes no fim de semana. O território indiano é considerado há anos um dos
mais perigosos do mundo para as mulheres: estimativas oficiais apontam que ao
menos três estupros ocorrem a cada hora no país — e um estupro coletivo a cada
quatro horas. Meninas e mulheres também correm alto risco de serem
escravizadas, segundo pesquisas.
Saiba mais: Turista
brasileira vítima de estupro coletivo na Índia e marido recebem R$ 60 mil
de indenização do governo
O
estupro é um dos crimes mais comuns contra as mulheres na Índia. Em 2022, foram
registrados 31.516 casos em todo o país — o equivalente a mais de 86 por dia ou
quase um estupro a cada 17 minutos, de acordo com dados do Escritório Nacional
de Registros Criminais, que publica o relatório “Crime in India” (Crime na
Índia) desde 1953. Deste total, 2.118 casos são de estupro coletivo.
A maior parte das vítimas tem entre 18 e
30 anos (65,9%), mas também há casos de meninas menores de seis anos (0,3%) e
de mulheres acima dos 60 anos (0,3%). O Rajastão, na fronteira com o Paquistão,
registrou 5.399 casos de estupro no ano passado, o maior número entre os
estados. Na capital nacional, Nova Délhi, foram 1.212 casos desse tipo, o mais
alto entre os oito territórios da União.
Uma pesquisa da Fundação Thomson Reuters concluiu em 2018 que a Índia era o
país mais perigoso do mundo para ser mulher devido ao alto risco de violência
sexual contra elas, bem como ao tráfico de pessoas para trabalho doméstico,
trabalho forçado, casamento forçado e escravidão sexual, entre outros motivos.
Os resultados foram baseados em uma
pesquisa com 550 especialistas em questões femininas em todo o mundo, incluindo
acadêmicos, profissionais de saúde, formuladores de políticas e funcionários de
ONGs. Os especialistas foram solicitados a considerar parâmetros como violência
sexual e não sexual, tráfico humano, tradições culturais, assistência médica e
discriminação.
Na edição anterior da pesquisa,
realizada em 2011, a Índia aparecia em quarto lugar. Uma nova atualização ainda
não foi publicada.
Realidade ainda pior
Os números oficiais são alarmantes, mas
especialistas alertam que a realidade é ainda pior, com grande número de
subnotificações. Muitos ataques não são denunciados, seja por vergonha devido
ao estigma, seja pela falta de confiança no trabalho das autoridades, já que
condenações raramente acontecem e muitos casos acabam estagnados no saturado
sistema judicial do país.
“As vítimas de estupro têm muito medo de
se manifestar, pois acreditam que não só não obterão justiça como também temem
enfrentar humilhação por toda a vida por parte de suas famílias, comunidades e
autoridades policiais”, afirmam os cientistas políticos Rudabeh Shahid, Kaveri
Sarkar e Azeem Khan em artigo de janeiro de 2021 publicado pelo Atlantic
Council, um centro de estudos baseado em Washington, nos EUA. “Esse estigma
baseia-se no sexismo institucional intenso e no patriarcado, em que a concepção
de honra está ligada ao corpo da mulher.”
A pressão pública foi tão grande que, em
2013, levou a mudanças na antiga definição de estupro no Código Penal, que
passou a incluir assédio, perseguição e ataques com ácido, além de estender as
sentenças de prisão e introduzir a pena de morte para os condenados por estupro
de crianças de até 12 anos de idade. Mas a implementação de medidas contra os
agressores tem sido fraca e deixa de fora os casos de estupro marital, segundo
os especialistas do Atlantic Council.
“De fato, surgiram movimentos que
levaram a reformas", avaliam. "No entanto, ainda há problemas sérios
e as tendências sociais que os alimentam cruzam linhas sociais, econômicas,
religiosas, étnicas e políticas."
Ativistas argumentam que as punições com
pena de morte em casos recentes de grande repercussão pouco fizeram para
alterar as estatísticas de estupro no país. Estudos também mostram que não há
correlação entre a introdução da pena capital e a redução das incidências de
estupro.
— Temos uma sociedade patriarcal na
Índia, que dá mais importância aos homens; as mulheres geralmente são
consideradas cidadãs de segunda classe — enfatizou Shruti Kapoor, ativista
feminista e fundadora da organização Sayfty Trust, em entrevista à rede alemã
Deutsche Welle. — As crianças internalizam isso em uma idade muito jovem; os
desejos e as opiniões de uma menina não são considerados tão importantes quanto
os de um menino. A criança do sexo feminino aprende a ser subserviente desde o início.
Sobreposição de violências
A violência contra as mulheres na Índia
também perpassa questões étnicas. Em julho do ano passado, um vídeo mostrando
duas mulheres sendo empurradas nuas entre uma multidão de homens no estado de
Manipur, no nordeste do país, provocou a indignação de milhões de pessoas,
depois de viralizar nas redes sociais e ganhar manchetes do país. Registrada em
maio, a cena foi tachada — com dois meses de atraso — pelo primeiro-ministro
Narendra Modi de “vergonhosa”.
O episódio ocorreu um dia após o início
dos confrontos entre as comunidades meitei e kuki, que já deixaram cerca de 200
pessoas mortas e mais de 70 mil deslocadas. Na ocasião, um grupo de kukis que
fugia para a floresta em busca de segurança foi interceptado por uma multidão
de meiteis. Dois homens foram mortos e as mulheres do grupo tiveram que
desfilar nuas, além de terem sido agredidas sexualmente pela turba.
A divisão de castas, do mesmo modo, se
sobrepõe à violência de gênero na Índia. Em 2020, uma jovem dalit de 19 anos
foi estuprada por quatro homens brâmanes — a mais alta casta hindu — no
distrito de Hathras, no estado de Uttar Pradesh, norte do país. A adolescente
chegou a ser internada em um hospital em Nova Délhi, mas morreu em decorrência
de seus ferimentos. O caso provocou indignação global depois que as autoridades
supostamente cremaram seu corpo à força, sem o consentimento de sua família.
Apenas um dos acusados foi condenado pela Justiça indiana, que o julgou por
homicídio culposo.
O estupro é um crime inafiançável sob o
Código Penal indiano, mas em muitos casos os suspeitos conseguem fiança devido
à falta de provas, disse Anuja Trehan Kapur, psicóloga criminal e advogada de
Nova Délhi à rede alemã Deutsche Welle.
— Os acusados geralmente são protegidos
pela polícia, por políticos ou até mesmo por advogados — acrescentou.
Um total de 445.256 casos de crime
contra mulheres foi registrado em 2022 na Índia, de acordo com dados do
Escritório Nacional de Registros Criminais. O número representa um aumento de
4% em relação ao ano anterior. A maioria desses crimes foi registrada sob o
Código Penal indiano como crueldade por parte do marido ou seus parentes
(31,4%), rapto de mulheres (19,2%), agressão a mulheres com intenção de ofender
sua dignidade (18,7%) e estupro (7,1%).
Abusos levam mulheres a atear fogo no próprio corpo no Paquistão, diz estudo
Violência doméstica está entre as principais causas citadas
pelas pacientes ouvidas pela pesquisa para justificar a autoimolação
Atualizado em 02/07/2021 14:00
Os abusos cometidos contra mulheres no Paquistão têm levado muitas delas a
atear fogo nos próprios corpos, resultando em morte em diversos casos. Os dados
foram divulgados pelo PIMS (Instituto de Ciências Médicas do Paquistão, da
sigla em inglês) e reproduzidos pela Radio Free Europe nesta quina (1).
Mulheres casadas de baixa renda têm as maiores taxas de autoimolação ou
suicídio dessa forma no Paquistão. O estudo indica que 75 mulheres atearam fogo
no próprio corpo em um período de seis anos, contra apenas 18 homens. Dessas,
65% eram casadas, e a maioria delas vinha de áreas rurais com acesso restrito a
educação.
O fenômeno, relativamente raro em nações desenvolvidas, é bastante comum em
países como Turquia, Irã, Afeganistão, Paquistão e outros do Sul da Ásia, aponta
o estudo.
As causas vão desde a pobreza sistêmica, passando pela violência doméstica
até as baixas taxas de alfabetização. Também contribui a oferta limitada de
serviços de saúde mental, que aumenta o risco de comportamentos
autodestrutivos. Conflitos conjugais e violência doméstica são frequentemente
citados como desencadeadores.
Problemas domésticos
Um estudo entre 154 pessoas com queimaduras autoinfligidas, realizado em um
distrito rural na província de Sindh, no sul do Paquistão, indicou que 63% das
pacientes do sexo feminino tentaram suicídio, contra 37% dos pacientes
masculinos. A maioria das mulheres relatou “brigas familiares e desarmonia
conjugal” como causas.
“As pacientes do sexo feminino sofrem em grande parte de problemas
domésticos, como brigas com maridos ou parentes”, disse Ehmar Al-Ibran, chefe
do centro de queimados do Hospital Civil de Karachi. “Às vezes, elas enfrentam
violência doméstica todos os dias”.
Violência de gênero
Uma pesquisa da Fundação Thomson Reuters indica que o Paquistão é o sexto
país mais perigoso do mundo para as mulheres. Em 2020, mais de 2,2 mil mulheres
sofreram alguma forma de violência, incluindo agressão sexual, violência
doméstica e ataques com ácido. O número real, entretanto, é provavelmente muito
maior, porque poucos casos são relatados.
Apesar dos avanços recentes na legislação de proteção à mulher no país, o
cumprimento da lei tem sido reduzido. Muitas organizações de direitos das
mulheres, como a Fundação Aurat, trabalham incansavelmente para aumentar a
conscientização. De acordo com Mehnaz Rahman, diretora da entidade, as leis de
proteção à mulher do país são louváveis, mas falta aplicá-las adequadamente.
Mulheres mulçumanas na Tailândia e Malásia sofrem agressões
Imprensa malaia denuncia a ocorrência de estupros coletivos. As vítimas são
mulheres da comunidade rohingya retidas por traficantes em campos clandestinos
Mulheres da comunidade muçulmana rohingya retidas por
traficantes em campos clandestinos da Tailândia e Malásia foram vítimas de
estupros coletivos, e pelo menos duas ficaram grávidas, denunciou a agência
estatal de notícias malaia Bernama.
A agência ouviu o depoimento de Nur Khaidha Abdul
Shukur, uma mulher que passou no ano passado por um destes campos, perto de
Padang Besar, na Tailândia.
"A cada noite, os guardas levavam duas ou três
jovens atraentes rohingya do campo para um lugar clandestino. Os guardas as
estupravam em grupo e duas mulheres ficaram grávidas", disse.
De acordo com a agência estatal, o marido de Shukur,
Nurul Amin Nobi Hussein, também foi testemunha de atos similares em outros
campos da região, perto da fronteira com a Malásia.
No mês passado, as autoridades descobriram vários campos
clandestinos criados por traficantes de seres humanos, com fossas comuns e
dezenas de corpos, na Tailândia e na Malásia.
Grande parte da comunidade rohingya, de 1,3 milhão de
pessoas, vive no estado de Rakhine, noroeste de Mianmar, na fronteira com
Bangladesh. O grupo é considerado pela ONU uma das minorias mais perseguidas do
mundo.
O presidente americano, Barack Obama, pediu a Mianmar
que pare de discriminar os rohingyas.
"Uma das coisas mais importantes é que deixem de
discriminar as pessoas em função de sua aparência ou crenças", afirmou o
presidente americano, em sua primeira referência pública à fuga de migrantes na
Ásia.
"E os rohingyas são fortemente discriminados",
disse à imprensa, utilizando o termo "rohingya", que irrita as
autoridades birmanesas, que não reconhecem este grupo étnico, que considera
como imigrantes ilegais procedentes de Bangladesh.
Há várias semanas, milhares de pessoas desta comunidade
tentam fugir da miséria e viajam em barcos improvisados para tentar chegar às
costas da Malásia, Indonésia, Tailândia ou Bangladesh.
Irão: Autoridades usam violência sexual para silenciar Movimento “Mulher
Vida Liberdade”
6 Dezembro 2023
As autoridades iranianas
cometeram violações e outras formas de violência sexual, de forma impune,
para reprimir o Movimento “Mulher Vida Liberdade”
As forças de segurança iranianas recorreram à violação e a outras formas de
violência sexual – equivalentes a tortura e outros maus tratos – para intimidar
e reprimir manifestantes pacíficos durante os protestos do Movimento “Mulher
Vida Liberdade” em 2022, afirma a Amnistia Internacional num novo relatório
publicado hoje.
O relatório de 120 páginas denominado “Eles violaram-me: Violência sexual
usada como arma para esmagar o Movimento ‘Mulher Vida Liberdade’ no Irão” (em
inglês,“They violently raped me: Sexual violence weaponized to crush
Iran’s “Woman Life Freedom” uprising”) revela detalhadamente as
provas cruéis de 45 sobreviventes – 26 homens, 12 mulheres e sete crianças. Por
desafiarem décadas de opressão e de discriminação baseada no género, todas
estas pessoas foram presas arbitrariamente e submetidas a violações, violações
coletivas e/ou outras formas de violência sexual pelas forças de inteligência e
de segurança do Irão.
Até à data, as autoridades iranianas não acusaram nem processaram nenhum
funcionário pelos casos de violação e de outras formas de violência sexual
documentados no relatório.
“A nossa investigação expõe a forma como os agentes dos serviços secretos e
de segurança do Irão recorreram à violação e a outros tipos de violência sexual
para torturar, punir e infligir lesões físicas e psicológicas duradouras aos
manifestantes, mesmo a crianças de apenas 12 anos”, sublinha a secretária-geral
da Amnistia Internacional, Agnés Callamard.
“Os serviços secretos e de segurança do Irão recorreram à violação e a
outros tipos de violência sexual para torturar, punir e infligir lesões físicas
e psicológicas duradouras aos manifestantes, mesmo a crianças de apenas 12
anos”
Agnès Callamard
Acrescenta ainda que “os testemunhos angustiantes recolhidos pela Amnistia
Internacional apontam para um padrão mais amplo da utilização da violência
sexual como uma arma-chave no arsenal da repressão das manifestações e da
supressão da dissidência pelas autoridades iranianas, para se agarrarem ao
poder a todo o custo”.
A Amnistia Internacional revela ainda como os procuradores e juízes
iranianos não só foram cúmplices, ignorando ou encobrindo as queixas de
violação dos sobreviventes, como também utilizaram “confissões” forçadas
(extraídas sob tortura) para apresentar acusações falaciosas contra os
sobreviventes e condená-los à prisão ou à morte. A secretária-geral da Amnistia
Internacional destaca que “as vítimas ficaram sem recurso e sem qualquer
reparação, sendo que aquilo que se vê é apenas impunidade
institucionalizada, silenciamento e múltiplas cicatrizes físicas e
psicológicas profundas infligidas a estas pessoas”.
“Aquilo que se vê é apenas impunidade institucionalizada, silenciamento e
múltiplas cicatrizes físicas e psicológicas profundas infligidas a estas
pessoas”
Agnès Callamard
O relatório revela que no conjunto de perpetradores destas violações e
outras formas de violência sexual estão agentes da Guarda Revolucionária, da força
paramilitar Basij e do Ministério dos
Serviços Secretos, bem como diferentes ramos da força policial: como a Polícia
de Segurança Pública (police amniat-e omoumi), a
Unidade de Investigação da polícia iraniana (agahi) e as
Forças Especiais da polícia (yegan-e vijeh).
Entre os sobreviventes encontram-se mulheres e raparigas que tinham tirado
corajosamente os seus lenços da cabeça, mas também homens e rapazes que saíram
à rua para exprimir a sua indignação face às décadas de discriminação e
opressão baseadas no género.
A prevalência da violência sexual em repressão ao Movimento “Mulher Vida
Liberdade” é difícil de quantificar, uma vez que o estigma e o pavor de
represálias conduzem normalmente a uma subnotificação das denúncias. No
entanto, a documentação pormenorizada da Amnistia Internacional indica que as
violações documentadas fazem parte de um padrão mais vasto. A organização
analisou 45 casos em mais de metade das províncias do Irão que, juntamente com
os relatos de sobreviventes e outros antigos detidos sobre casos precedentes de
violação/outras violências sexuais contra dezenas de manifestantes detidos,
permitem chegar a esta conclusão. A Amnistia Internacional partilhou as suas
conclusões com as autoridades iranianas a 24 de novembro, mas até agora não
recebeu qualquer resposta.
O estigma e o pavor de represálias conduzem normalmente a uma
subnotificação das denúncias. No entanto, a investigação da Amnistia
Internacional indica que as violações documentadas fazem parte de um padrão
mais vasto
“Não é isto que procuram com a
libertação?”
O relatório documenta casos de violação e violação coletiva: 16 dos 45
sobreviventes cujos casos foram analisados pela Amnistia Internacional foram
violados (seis mulheres, sete homens, uma rapariga de 14 anos e dois rapazes de
16 e 17 anos). Destes, seis – quatro mulheres e dois homens – foram violados em
grupo por vários agentes do sexo masculino.
Os sobreviventes relatam que foram violados com bastões de madeira e de
metal, garrafas de vidro, mangueiras e/ou com os órgãos sexuais e os dedos dos
agentes. As violações ocorreram em centros de detenção e carrinhas da polícia,
bem como em escolas ou edifícios residenciais ilegalmente adaptados como locais
de detenção.
Farzad, sobrevivente que foi violado em grupo numa carrinha das Forças Especiais
da polícia, partilhou à Amnistia Internacional: “Os agentes estavam à paisana e
obrigaram-nos a virar para as portas e janelas do veículo, deram-nos
choques elétricos nas pernas… Torturaram-me com espancamentos… que me partiram
o nariz e os dentes. Baixaram-me as calças e violaram-me… Senti que estava a
ser desfeito…”
Maryam, que foi violada em grupo num centro de detenção da Guarda
Revolucionária, contou que os agressores lhes disseram que todas as mulheres
ali eram obcecadas pelo órgão sexual masculino, sublinhando que era por essa
razão que as violentavam. Acrescentavam ainda declarações como: “Não é isto que
procuram com a libertação?”.
A Amnistia Internacional documentou ainda os casos de 29 sobreviventes que
foram sujeitos a outras formas de violência sexual, envolvendo agentes do
Estado que, de acordo com os seus relatos, agarraram, apalparam, bateram,
esmurraram e os pontapearam; os obrigaram à nudez, por vezes em frente a
câmaras de vídeo; lhes aplicaram agulhas e choques elétricos nos órgãos sexuais
masculinos; cortaram à força o cabelo das mulheres e/ou arrastaram-nas
violentamente pelos cabelos; e ameaçaram os sobreviventes de violação a si e
aos seus familiares.
Todas estas formas de violência degradante foram ainda acompanhadas por
agressões, açoites, choques elétricos, administração de comprimidos ou
injeções não identificadas, recusa de comida e água e condições de detenção
cruéis e desumanas. As forças de segurança iranianas também negaram
sistematicamente cuidados médicos aos sobreviventes, nomeadamente para os
ferimentos resultantes das violações.
Ausência de vias nacionais de acesso à
justiça
A esmagadora maioria dos sobreviventes partilhou à Amnistia Internacional
que não apresentou queixa após a libertação, por recear futuras agressões e por
acreditar que o sistema judicial é um instrumento de repressão e não de
reparação. Seis sobreviventes revelaram as suas marcas de tortura ou
queixaram-se de abusos quando foram levados à presença de funcionários do
Ministério Público para interrogatório enquanto ainda estavam detidos, mas
foram ignorados.
Por outro lado, três sobreviventes apresentaram queixas formais, mas
acabaram por ser obrigados a retirá-las ou deixaram de as apresentar após
repetidas ameaças das forças de segurança ou meses de inação do Ministério
Público. Um deles foi informado por um oficial de alta patente de que tinha
confundido uma revista corporal com violência sexual.
A Amnistia Internacional também analisou uma fuga de informação de um
documento oficial, datado de 13 de outubro de 2022 e publicado por um meio de
comunicação social fora do Irão em fevereiro de 2023, que revela que as
autoridades encobriram queixas de violação apresentadas por duas jovens contra
dois agentes da Guarda Revolucionária durante as manifestações. O
procurador-adjunto de Teerão aconselhou, no documento, que o caso fosse
classificado como “completamente secreto” e sugeriu que se “encerrasse
gradualmente [o caso] ao longo do tempo”.
As autoridades iranianas encobriram queixas de violação apresentadas por
duas jovens contra dois agentes da Guarda Revolucionária durante as
manifestações
A recuperar do trauma, mas a ansiar por justiça
As mulheres, os homens e as crianças sobreviventes relataram à Amnistia
Internacional que continuam a lidar com os traumas físicos e psicológicos de
todas as formas de violência que sofreram. A mãe de um estudante que foi
violado partilhou que o seu filho se tentou suicidar duas vezes enquanto esteve
detido.
Sahar, uma manifestante, relatou o impacto traumático da violência sexual
sofrida às mãos das forças de segurança que lhe tiraram a roupa, exceto a roupa
interior, e lhe tocaram nos seios e nos órgãos genitais, ao mesmo tempo que a
ridicularizavam e ameaçavam de violação: “Eu costumava ser uma
lutadora na vida. No entanto, ultimamente, penso muito no suicídio… Sou como
uma pessoa que espera todo o dia pela noite para poder dormir”.
Zahra, uma mulher que sofreu violência semelhante, descreve as consequências
psicológicas duradouras: “Acho que nunca mais voltarei a ser a mesma pessoa.
Não encontrarão nada que me faça voltar a ser eu, que me devolva a minha alma…
Espero que o meu testemunho resulte em justiça”.
“Acho que nunca mais voltarei a ser a mesma pessoa”
relato de uma vítima
Apelos da Amnistia Internacional
A Amnistia Internacional, pelas palavras de Agnès callamard, alerta que “sem
vontade política e sem reformas constitucionais e jurídicas fundamentais, os
obstáculos estruturais continuarão a afetar o sistema judicial iraniano, que
tem revelado repetidamente a sua vergonhosa incapacidade e falta de interesse
para investigar eficazmente os crimes previstos no direito internacional”.
A organização lembra ainda que, uma vez que não existem
perspetivas de justiça a nível interno, a comunidade internacional tem o dever
de apoiar os sobreviventes e de atuar para a exigência de justiça:
“A comunidade internacional deve apoiar a extensão do mandato da Missão de
Averiguação das Nações Unidas para o Irão, a fim de garantir que um mecanismo
independente continue a recolher, preservar e analisar provas de crimes ao
abrigo do direito internacional e de outras violações graves dos direitos
humanos. Exortamos os Estados a iniciarem investigações criminais nos seus
próprios países contra os presumíveis autores de crimes, ao abrigo do princípio
da jurisdição universal, com vista à emissão de mandados de captura
internacionais”, conclui Agnès Callamard.