domingo, 29 de outubro de 2017

Mochilas de escola pesadas



O estatuto de criança não foi reconhecido na sociedade durante a maior parte da História da Humanidade. Milénios e milénios em que ser criança não foi sinónimo de prerrogativa, de cuidado especial, mas de fonte de rendimento.
Apenas no século XX começa a fazer sentido o conceito de tratamento específico da pessoa nos primeiros anos de vida como ser indefeso e importante que necessita de protecção da sociedade.
Apenas em 1959 a ONU, no rescaldo de tantos sofrimentos que marcaram profundamente as pessoas, produz uma Declaração dos Direitos da Criança.
Os filhos foram, e justamente, durante toda a existência humana, fonte de rendimento, uma vez que eram mão-de-obra para as actividades e rendimento familiar. Mas pouco mais foram que algo que os adultos usavam a seu bel-prazer.
Se o capitalismo do século XIX obrigou as mulheres a trabalharem lado a lado com os maridos e a receber metade do salário, as crianças foram ainda mais exploradas em troca de nenhuma retribuição ou apenas simbólica, exigindo-se-lhes uma produção o mais semelhante possível à dos adultos.
Se economicamente as crianças pouco mais eram que escravas, dentro e fora da família, sexualmente a sua situação não era melhor. Abusar de uma criança não era muito grave. Ser criança era sinónimo de ser estúpido, ignorante, incapaz… Ah! Mas isto ainda acontece hoje. Entre nós. Que valor damos à criança como par na família ou na sociedade?
Como escravos nas frentes de batalha entre mesquinhos senhores da guerra, as crianças eram provavelmente menos conceituadas que uma cavalgadura. Uma criança morta na batalha era muito menos importante que um cavalo incapacitado. Até se cantou o heroísmo de crianças porta-estandartes prontas a morrer como miserável pau de suporte de qualquer estúpida bandeira.
Como acontece em África hoje entre os bandidos corruptos e beligerantes que desgovernam países e enriquecem à custa de guerras e roubos utilizando crianças inocentes; a sua carne tenra serve para alimentar a fome de sangue de tais facínoras; aconteceu antes, e hoje, em todo o mundo.
No Portugal do século XXI, encontro com frequência crianças com horários escolares mais sobrecarregados que adultos. Encontro crianças sujeitas a diversos maus tratos escolares. A má alimentação escolar, nalguns casos nauseabunda, é disso espelho.
Hoje estou sinceramente constrangido com o peso das mochilas.
Foi necessário morrerem tantas pessoas em 2017 para, em Portugal, os governantes começarem a pensar a sério em ordenamento do território florestal!
Será necessário que os médicos comecem a estabelecer relações directas entre doenças ósseas e musculares das crianças, ou mesmo que surjam quaisquer acidentes, para se legislar no sentido de proibir que as crianças de Portugal passem a valer mais que qualquer cavalgadura? É que até há partidos políticos, além de imensas associações, para defender e acautelar os direitos dos animais, cavalgaduras e outros. Mas ninguém se preocupa com as crianças. Conversa há muita, como sempre houve em relação aos fogos, mas acção, nenhuma.
Senhor Ministro da educação, qual é o peso máximo legal que uma criança do 2º ciclo pode carregar na mochila? Não sabe, claro que não sabe. Todos os ministros se preocupam mais com o sucesso dos seus partidos que com o bem-estar e segurança dos cidadãos que deviam defender.
E vós, pais e mães, que ides fazer para defender os vossos filhos? Criticar e continuar a deixar que os vossos filhos sejam tratados como as crianças dos romances de Charles Dickens? Esperemos bem que não, porque está em causa o serdes pais e mães apenas biológicos ou pais e mães integrais.

Orlando de Carvalho

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Eu acuso



Eu acuso e chamo criminosos.
Não falo de crimes explicitamente listados na lei do Estado. Nem de crimes explicitamente listados na Bíblia. Falo dos crimes que me mostram a minha inteligência e que sinto com o meu coração. E felizmente há muitos mais como eu.
Clarificados os crimes a que refiro, para evitar explicações futuras, passarei às acusações.
Acuso e chamo criminosos a quase todos primeiros ministros da República Portuguesa.
Acuso e chamo criminosos a quase todos os deputados à Assembleia da República.
A mesma acusação faço aos presidentes da República que colaboraram, mesmo que por omissão, nos mesmos crimes.
Há dinheiro para comprar submarinos, mas não há para comprar aviões para combate a incêndios.
Mais tarde se verá que o mesmo crime se estende a questões de soberania nacional, pois também não são comprados aviões para controlo das fronteiras, nomeadamente as águas territoriais. Podemos brincar a escoltar aviões russos em turismo ao longo da nossa costa, mas será que também controlamos a pesca ilegal nas nossas águas? E o comércio ilegal?
Há facilidade em arranjar dinheiro para pagar salários, extras e reformas criminosas a governantes, mas os bombeiros fazem peditórios de rua e, no decorrer dos incêndios, pedem a ajuda da população para matar a sede e a fome.
A plantação de espécies florestais perigosas… se um eucaliptal mata as vida, vegetal e animal, em seu redor, pode continuar; se alguém tem um vaso de droga no quintal ou na varanda… primeira página na comunicação social de grande feito da polícia! Estas são as espécies vegetais perigosas, para a mentalidade de quase todos os governos.
Nada se fez para impedir os incêndios, nem para dissuadir os incendiários, embora se façam discursos demagógicos afirmando mentiras a esse respeito.
O Estado não limpa os seus terrenos onde se acumula material combustível. Mas só fala na responsabilidade dos particulares o fazerem.
Deputados reclamam de passar pela cabeça de alguém que um membro do Parlamento se passeie numa coisa tão reles como um Clio. Já terão visto as matrículas dos carros usados ainda por algumas corporações de bombeiros para verificar a sua idade?
Num artigo que ontem escrevi ver aqui alertei para o que me parecia que iria suceder. Eu percebi, mas os criminosos não entenderam. E o número de mortos de ontem aproxima-se, à medida que os corpos vão sendo descobertos, dos de Pedrógão Grande.
Também alertei no artigo para as consequências, já habituais, das primeiras chuvas, que este ano, mercê da seca e dos fogos, poderão ser mais graves. Mas quem liga ao que escreve um marginal do sistema? Ainda se fosse um comentador televisivo… ou um jogador de futebol… ou um protagonista habitual das revistas cor-de-rosa…
Que Deus nos valha, que os homens só querem os nossos votos e dinheiro fácil, seja qual for o partido em que militem no momento.

Orlando de Carvalho

domingo, 15 de outubro de 2017

Hoje fogo, amanhã inundação?



No dia 17 de Junho, eu não tinha qualquer notícia alarmante sobre o fogo de Pedrógão Grande e passeava no meio da floresta, à distância apenas de 25 quilómetros do incêndio.
No silêncio, escutei e a aragem que quase não corria roçou os pelos dos meus braços nus. E fiquei alarmado e comentei para quem me acompanhava.
- É estranho e assustador o ranger destes pinheiros e destes eucaliptos. Não me recordo de ter ouvido antes um ranger tão ameaçador. O ar está tão seco que me molesta os braços.
Eu tinha razão. Os cientistas vieram mais tarde confirmar e explicar o que eu estava a sentir.
A situação climática excepcional, uma catástrofe natural (que aconteceu mesmo) e a antiga e habitual incompetência que domina toda a administração pública portuguesa, completaram o que mãos criminosas iniciaram – não sei se há provas, mas não tenho dúvida.
Hoje, 15 de Outubro, circulo na ponte que atravessa a Ribeira de Pinheiro de Loures, junto à Igreja Matriz de Loures e observo o fundo do leito do rio que já não corre desde há meses, seco como imagem de deserto hostil e estremeço. Antes, ao entrar no carro, mais a sul, senti o mesmo ar irrespirável que sentira em Junho. Para amanhã existe a previsão de chuva em grande quantidade, daquelas tempestades que nesta altura do ano costumam apanhar de surpresa as autarquias e as outras entidades com competência para agir que afinal não agiram levando a catástrofes memoráveis.
Que a chuva chegue rápida, que chegue antes de alguma confluência como a de Abril venha trazer ainda mais desgraça a este país tão devastado.

Orlando de Carvalho

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Status social e económico dos professores

O rectângulo assinalado a vermelho era usado como campo de jogos e actividades físicas. Hoje é um parque de estacionamento, durante o funcionamento das aulas


Já lá vai o tempo, andava eu no liceu, em que o meu pai criticava o modo como o Estado tratava a profissão daqueles que ensinavam e educavam as crianças nas escolas. Não seriam, porque nunca foram, das classes mais desfavorecidas, mas a simples anteposição da palavra professor no nome de alguém captava o respeito de qualquer pessoa.
O tempo passou e… os professores passaram a ser como os chapéus de Vasco Santana: há muitos. Como em todas as profissões, bons e maus, honestos e desonestos, gordos e magros.
Eu estou cansado de ver na televisão gente esgrouviada, normalmente comandada por conhecidos militantes partidários, a fazer figuras tristes. A situação agrava-se à medida que o tempo passa. A situação governativa, social e de falta de senso do país vai dando os contributos necessários.
Todos parecem estar de acordo que um professor que dê um estalo deve ser expulso, e julgado em tribunal. Claro que não são todos, nem sequer a maioria, mas os barulhentos são ruidosos e a gente de bem vai-se calando para não arranjar complicações.
Estranhamente, ninguém estranha que um professor ou outro funcionário da escola mande um aluno à merda ou faça comentários de cariz sexual.
Se uma professora vai com transparências para a escola ou surge nua em publicações pornográficas ou vive “na noite”, ai de quem critique, porque a vida de cada um só a si diz respeito. O exemplo que o professor devia dar de dignidade, foi-se. Tão digno é uma pessoa digna, como é um prostituto ou uma prostituta nestes dias que correm.
Um empregado de uma pequena empresa vai trabalhar em transporte público ou no seu carro e resolve o problema do estacionamento. O professor, com frequência, leva o carro e estaciona-o dentro da escola, roubando espaço destinado aos alunos; mas aqueles que não são educados, acrescem uma demonstração dessa falta de educação, porque costumam ir atrasados, mas têm que picar o ponto a horas e… atiram os seus carros contra quem lhes surja pela frente, em frequentes atitudes de falta de educação, muitas vezes contra os carros em que os pais levam os seus filhos à escola.
Recordo uma escola dos segundo e terceiro ciclos, onde fui presidente da Associação de Pais, em que disciplinarmente ilibámos um aluno que abusou sexualmente de uma aluna, mas pouco tempo depois expulsámos um aluno que riscou carros de professores.
Professor deve voltar a ser símbolo de dignidade, mas cabe aos professores fazerem por isso. Reclamar direitos sem assumir deveres é o contrário do que se devia ensinar nas escolas.

Orlando de Carvalho

Não vá à urgência. Morra em casa sossegado



Ouvimos com frequência comentários desonestos acerca da afluência de cidadãos aos serviços médicos de urgência. Ouvimos, certa vez, ao passar na auto-estrada perto de Leiria, uma rádio local que quase insultava os doentes que acorriam aos serviços de urgência do hospital na cidade com casos não urgentes.
As críticas vão sempre no sentido de culpar o doente.
Ainda hoje lemos na imprensa a insistência neste ponto por parte dos médicos.
Não podemos considerar honestos nem os profissionais de saúde nem os governantes que perfilam esta perspectiva.
O cidadão comum não tem capacidade para se rastrear. Os centros de saúde não dão resposta às necessidades da população.
Se parassem com estes comentários idiotas e indicassem às pessoas como devem proceder, fariam bem melhor.
Não podemos aqui acusar mortes causadas por incapacidade ou erro dos serviços de urgência, porque não o poderíamos provar e lá nos caia em cima o Carmo e a Trindade. Mas todos conhecemos casos que nos revoltam.
Quem pode decidir se o meu bebé tem uma simples constipação ou está a começar uma pneumonia? Não são os serviços de urgência? Felizmente, sete em cada dez bebés terão apenas a tal constipação, mas como podem os pais saber se o seu bebé é um desses ou se está quase a morrer, sem se dirigirem aos serviços de urgência médica onde os profissionais devem cumprir a sua obrigação de salvar vidas?
É revoltante a ligeireza com que certos profissionais pensam em ganhar dinheiro e em regalias e em direitos sem nunca chegarem a entender que o seu trabalho é um Serviço, com maiúscula, à comunidade. Melhor terem optado, ou optar ainda, por outra profissão e deixarem as que estão ligadas à saúde para quem as saiba entender.

Orlando de Carvalho