O estatuto de criança não foi reconhecido na sociedade
durante a maior parte da História da Humanidade. Milénios e milénios em que ser
criança não foi sinónimo de prerrogativa, de cuidado especial, mas de fonte de
rendimento.
Apenas no século XX começa a fazer sentido o conceito de
tratamento específico da pessoa nos primeiros anos de vida como ser indefeso e
importante que necessita de protecção da sociedade.
Apenas em 1959 a ONU, no rescaldo de tantos sofrimentos que
marcaram profundamente as pessoas, produz uma Declaração dos Direitos da Criança.
Os filhos foram, e justamente, durante toda a existência
humana, fonte de rendimento, uma vez que eram mão-de-obra para as actividades e
rendimento familiar. Mas pouco mais foram que algo que os adultos usavam a seu bel-prazer.
Se o capitalismo do século XIX obrigou as mulheres a
trabalharem lado a lado com os maridos e a receber metade do salário, as
crianças foram ainda mais exploradas em troca de nenhuma retribuição ou apenas
simbólica, exigindo-se-lhes uma produção o mais semelhante possível à dos
adultos.
Se economicamente as crianças pouco mais eram que escravas,
dentro e fora da família, sexualmente a sua situação não era melhor. Abusar de
uma criança não era muito grave. Ser criança era sinónimo de ser estúpido,
ignorante, incapaz… Ah! Mas isto ainda acontece hoje. Entre nós. Que valor
damos à criança como par na família ou na sociedade?
Como escravos nas frentes de batalha entre mesquinhos senhores
da guerra, as crianças eram provavelmente menos conceituadas que uma
cavalgadura. Uma criança morta na batalha era muito menos importante que um
cavalo incapacitado. Até se cantou o heroísmo de crianças porta-estandartes
prontas a morrer como miserável pau de suporte de qualquer estúpida bandeira.
Como acontece em África hoje entre os bandidos corruptos e
beligerantes que desgovernam países e enriquecem à custa de guerras e roubos
utilizando crianças inocentes; a sua carne tenra serve para alimentar a fome de
sangue de tais facínoras; aconteceu antes, e hoje, em todo o mundo.
No Portugal do século XXI, encontro com frequência crianças
com horários escolares mais sobrecarregados que adultos. Encontro crianças
sujeitas a diversos maus tratos escolares. A má alimentação escolar, nalguns
casos nauseabunda, é disso espelho.
Hoje estou sinceramente constrangido com o peso das
mochilas.
Foi necessário morrerem tantas pessoas em 2017 para, em Portugal,
os governantes começarem a pensar a sério em ordenamento do território
florestal!
Será necessário que os médicos comecem a estabelecer
relações directas entre doenças ósseas e musculares das crianças, ou mesmo que
surjam quaisquer acidentes, para se legislar no sentido de proibir que as
crianças de Portugal passem a valer mais que qualquer cavalgadura? É que até há
partidos políticos, além de imensas associações, para defender e acautelar os
direitos dos animais, cavalgaduras e outros. Mas ninguém se preocupa com as
crianças. Conversa há muita, como sempre houve em relação aos fogos, mas acção,
nenhuma.
Senhor Ministro da educação, qual é o peso máximo legal que
uma criança do 2º ciclo pode carregar na mochila? Não sabe, claro que não sabe.
Todos os ministros se preocupam mais com o sucesso dos seus partidos que com o
bem-estar e segurança dos cidadãos que deviam defender.
E vós, pais e mães, que ides fazer para defender os vossos
filhos? Criticar e continuar a deixar que os vossos filhos sejam tratados como
as crianças dos romances de Charles Dickens? Esperemos bem que não, porque está
em causa o serdes pais e mães apenas biológicos ou pais e mães integrais.
Orlando de Carvalho
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