Em greve de fome desde dia 14 de maio, o cineasta
ucraniano Oleg Sentsov parece ter os dias contados. Perante a apatia global e o
regresso dos autoritarismos, os combatentes pelos direitos humanos podem
tornar-se uma espécie em vias de extinção
A história é conhecida mas todas as ocasiões são boas para a recordar.
Na primavera de 1961, um advogado inglês, Peter Benenson, ficou indignado ao
saber que dois estudantes portugueses tinham sido presos, em Lisboa, pelo
simples facto de brindarem à liberdade. Dias depois, no The Observer, escreveu
um artigo intitulado Os Prisioneiros Esquecidos e anunciou o nascimento de uma
organização para os defender: "Abra o seu jornal num qualquer dia da
semana e encontrará um relato de alguém que foi preso, torturado ou executado,
num qualquer sítio do mundo, por as suas opiniões ou a sua religião serem
inaceitáveis para o governo do seu país.
O leitor fica com um revoltante sentimento de impotência. E, no
entanto, se estes sentimentos de revolta por todo o mundo puderem unir-se numa acção
comum, algo eficaz pode ser feito." A realidade demonstrou que tinha toda
a razão. A Amnistia Internacional converteu-se num organismo incontornável, ao
defender milhares de prisioneiros políticos nos cinco cantos do planeta, recebeu
o Prémio Nobel da Paz, em 1977, e conta hoje com sete milhões de filiados e
simpatizantes em 150 países.
Só que o mundo mudou e com ele a forma como as questões dos direitos
humanos são encaradas. Nos novos tempos de factos alternativos, de democracias
iliberais e de líderes populistas com tiques autoritários, a defesa das
liberdades fundamentais converteu-se num tema-chave. E isto a tal ponto que a
revista Foreign Policy, na sua edição de Abril, decidiu abordar o tema e
dedicar-lhe a capa: uma pomba branca com o corpo trespassado de setas, morta,
numa montagem gráfica inspirada no quadro do mártir São Sebastião, assinado por
Giovanni Antonio Bazzi, em 1525. O título não podia ser mais provocador:
"O fim dos direitos humanos?" No interior, as respostas são algo
ambivalentes, mas o tom final é de esperança.
Mais do que resistir, é necessária uma resistência baseada em
princípios." Para o ucraniano Oleg Sentsov, este tipo de palavras já lhe
serve de muito pouco.
Em greve de fome desde 14 de maio, este cineasta nascido há 42 anos em
Simferopol, na Crimeia, diz estar pronto para levar a sua luta até às últimas
consequências. Condenado, em agosto de 2015, a duas décadas de prisão por
alegados crimes de terrorismo incluindo a tentativa de dinamitar uma estátua de
Lenine, Sentsov sempre manifestou a sua inocência, e o processo judicial de que
foi protagonista teve pormenores equivalentes aos julgamentos sumários da era
estalinista.
Opositor à anexação da Crimeia pela Rússia, participou em inúmeras
manifestações contra o Kremlin e ele próprio admite que integrou um grupo de activistas
que levava comida e bebida aos soldados ucranianos sitiados pelas tropas de Moscovo.
No entanto, rejeita ter participado em quaisquer iniciativas violentas. A
justiça russa deu como provado que não era assim, apesar de a principal
testemunha de acusação ter dado o dito por não dito e confessado que sofreu
pressões para incriminar o realizador.
Quanto aos sinais de tortura e aos ferimentos exibidos por Sentsov há
mais de três anos, a explicação oficial é que foi tudo auto-infligido e que o
então réu era um conhecido adepto de práticas sadomasoquistas.
Agora, detido numa colónia penal da Sibéria, em Labytnangi, já no
Círculo Polar Ártico, conta apenas com a solidariedade internacional.
Milhares de pessoas têm promovido inúmeros abaixo-assinados, e diversas
organizações de defesa dos direitos humanos têm exigido a sua libertação, mas
já ficou demonstrado que isso não chega. A Pen
America, por exemplo, conseguiu reunir uma impressionante lista de
escritores e artistas a intercederem por Sentsov, só que as autoridades russas
permanecem indiferentes aos apelos subscritos por numerosas individualidades.
Antes e durante do Mundial de futebol, existiu a esperança de que algo
poderia ser feito e, em França, várias figuras da política e da cultura
tentaram convencer o Presidente Emmanuel Macron a não se deslocar ao país de
Vladimir Putin, ou então a abordar o caso Sentsov com o seu homólogo russo. O
resultado está bem à vista. Mesmo assim, na pátria dos direitos humanos, não se
desiste. É raro o dia em que o Le Monde, o Le Figaro e afins não tragam
notícias e textos ensaísticos sobre o homem que iniciou uma greve de fome que
só vai terminar diz ele quando morrer ou quando a Rússia abrir as portas das
celas a todos os prisioneiros políticos ucranianos (mais de seis dezenas).
Oleg Sentsov, casado e com duas filhas, sabe que a sua reivindicação
não tem grandes hipóteses e, no início deste mês, escreveu o seu testamento,
entretanto disponibilizado no site do Pen
America: "Os heróis só morrem bem nos filmes e nos livros. Na vida
real, mijam sangue nas calças, berram de dor e lembram-se das suas mães. Eu não
quero ser enterrado. Quero ser cremado. Não na fogueira de qualquer inquisição,
mas num simples forno crematório.
Artigo completo aqui
Orlando de Carvalho