Eu conduzia uma pessoa em emergência médica, no meu carro,
sinalizando com faróis, luzes de emergência e sinalização sonora.
Ao atravessar Praça do Saldanha, em Lisboa, utilizei a faixa
reservada a transportes públicos (BUS). A minha marcha foi então atrapalhada,
não cortada porque o outro condutor não conseguiu, por um táxi, isto é, por um
motorista de táxi, que gesticulava e gritava por eu estar a usar aquela faixa
de rodagem.
Eu seguia em emergência devidamente sinalizada, mas aquele
indivíduo, que devia estar ainda a sentir os efeitos de uma noite mal dormida
ou bem bebida, decidiu que devia lixar-me. Porquê? Simplesmente porque sim!
Passados vinte anos, estou de novo na situação de conduzir
em emergência médica. Tal como no caso anterior identifico a emergência com
sinalização sonora e luminosa, luzes intermitentes e faróis. E estou já perto
do hospital, em zona de passagem de ambulâncias e outras viaturas a caminho das
urgências. Ao aproximar-me de uma passagem de peões, um homem olha-me e avança
deliberadamente. Reforço a sinalização sonora. E o homenzinho esbraceja e grita
que ali é uma passagem de peões, quase ameaçando avançar contra o meu carro. Não
sei se ia aflito a procurar um urinol ou periclitante a morrer de fome, sei que
estava completamente decidido a lixar-me e a quem eu conduzia. Porquê? Simplesmente
porque sim!
Numa via entre um rio e um campismo, numa vila do interior,
num local onde não passariam mais de cem carros por dia, e onde os carros
estacionavam tanto à esquerda como à direita, estacionei na contramão. A via
era bastante larga, demasiado larga. Não passavam carros, os peões eram
pouquíssimos, e as viaturas estacionavam assim, de um lado, do outro, em
espinha… Como numa aldeia, pois a vila é pouco mais que uma aldeia. Uma equipa
de dois GNRs local multou a minha viatura. Mostrei o meu desacordo, mas de nada
valeu. Dirigi-me ao Posto da Guarda onde expus ao comandante a minha
indignação. Expliquei que ninguém tinha sido prejudicado nem podia vir a ser atrapalhado
ou afectado pelo modo como o carro estava estacionado. E o senhor concordou
comigo. Mas apresentou-me um argumento irrefutável:
- Veja, aqui na terra, os meus homens não têm que fazer,
nada acontece. Isto é um marasmo. Quando finalmente conseguem realizar algum
trabalho, eu não posso anular ou pedir-lhes que anulem o que fizeram. Eles precisam
de ter algo que fazer.
Nunca esperei ouvir com tanta clareza tamanha sinceridade. Mas
lixei-me com a multa. Porquê? Simplesmente porque sim!
Há uns anos, foi tornado obrigatório o uso de umas palas na
traseira de todos os automóveis que supostamente evitariam a projecção de água,
lama, detritos, para o carro que seguia atrás. Alguém terá descoberto alguma
vantagem neste negócio de obrigar todas as viaturas a terem estas palas que,
passados poucos anos foram eliminadas da lei e deixaram de ser obrigatórias.
Entretanto, o carro que eu tinha na altura não se dava bem
com as tais palas que sistematicamente eram arrancadas quando eu estacionava. E
tive tanta sorte que fui multado duas ou três vezes por essa razão. Legalmente mas
imoralmente porque se tratava de uma invenção para vender palas e prejudicar os
condutores. Tanto assim era que a lei acabou. Mas eu lixei-me a comprar palas e
a pagar multas. Porquê? Simplesmente porque sim!
Ao volante de um BMW bastante seguro fui sancionado por
transportar 6 pessoas (eu e mais 5), porque a lei só me permite o transporte de
5 passageiros. Parece que eu estava a pôr em perigo aquelas pessoas.
Estacionei o meu carro e todos nós, os 6, apanhámos um tuc-tuc,
onde viajámos os 6 mais o condutor do tuc-tuc. Nas barbas dos polícias. Claro que
fizemos a segunda parte da viagem em muito maior segurança que a primeira. Não me
lixem! Lixado já eu ando com tudo isto. Porquê? Simplesmente porque o governo
manda assim!
Há quem advogue que se deve amar todas as pessoas, quaisquer
que elas sejam, independentemente das situações.
Como atestámos, há quem pareça viver e satisfazer-se
unicamente em lixar todas as pessoas que forem capazes de lixar. Lixam porquê? Simplesmente
porque sim!
Há quanto tempo anda o homem a evoluir? Talvez há 100 mil
anos. Mas terá evoluído? Seremos mais civilizados que os nossos ancestrais de
há milhares de anos? Somos melhores pessoas? Somos mais civilizados? Ajudamo-nos
mais mutuamente? Ou tratamo-nos como bestas na selva, não da mesma espécie, que
essas se entreajudam, mas como bestas de espécies diferentes que lutam e se
comem para sobreviver? Note-se, todavia, que as lutas e os prejuízos causados
mutuamente entre as pessoas deste tempo não têm como objectivo a sobrevivência,
nem o bem-estar, mas simplesmente a estupidez. O “porque sim”!
Orlando de Carvalho