Ao entrar na adolescência, por volta de 1965, tomei conhecimento dos dois grandes perigos que corria por morar em Lisboa com a minha família. Aliás, pouco tempo depois percebi que havia ainda um terceiro perigo que não constava do tal cardápio.
Em 1967, toda a região da Grande Lisboa acolheu um dilúvio descomunal que matou tantas pessoas que o Governo de Salazar proibiu a divulgação de números de vítimas, de fotografias dos estragos causados, do aprofundamento das causas da catástrofe, na comunicação social. Muitas mulheres e muitos homens que então participaram no socorro social do salvamento de feridos e descoberta e transporte de mortos ainda vivem e recordam esses momentos dramáticos. A possibilidade desta tragédia não era comentada a não ser, talvez, pelo arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles e outros iluminados a quem o governo e autoridades da administração do território não davam ouvidos. Supõe-se que tenham morrido milhares de pessoas, a maior parte afogadas na lama, algumas ainda deitadas nas camas arrastadas pela corrente.
Nenhuma das duas tragédias previstas ainda não sucedeu.
A primeira será a repetição do terramoto e maremoto 1755. Escrevemos maremoto em português e não tsunami em japonês, porque a utilização deste estrangeirismo faz-me pensar que quem o usa não sabia o que isto era até acontecerem as tragédias do terremoto na Indonésia em 2004 e consequente marmoto na Tailândia, com mais de 200 mil mortos, e posteriormente o terremoto e maremoto em Fukushima no Japão, com libertação de radiação nociva que atravessou todo o planeta.
Nos primeiros anos do período que estou a considerar, desde o início da década de 1960 até à actualidade, comentava-se a tragédia a que Lisboa não podia de forma alguma escapar. Posteriormente, os governantes e autores, cientistas e comunicação, amenizaram a gravidade da situação, explicando sucessivamente que Portugal se estava a preparar para essa eventualidade e que aquilo a que hoje chamamos protecção civil conseguiria lidar com a situação. Havia meios humanos, meios materiais e conhecimento científico para evitar grandes consequências e para acudir às eventuais vítimas. De facto, Lisboa passou a estar sujeita a legislação que obrigava a construção anti-sísmica de edifícios. Mas o grande sismo, com ou sem maremoto, ainda não aconteceu. Ao longo dos tempos, os governantes têm insistido em que estamos preparados para essa catástrofe (estarão eles, ou nem por isso). Alegam que os meios de socorro, hospitais, bombeiros, protecção civil, todos têm planos de emergência adequados.
O outro grande perigo que ameaçava, e ameaça, Lisboa desde há mais de meio século, era a queda de um avião sobre zonas habitacionais da capital, porque o aeroporto está dentro da cidade. Se ao levantar ou ao aterrar se der um acidente, além dos passageiros, podem ser derrubados muitos prédios, pelo avião em queda e depois, pelo efeito dominó, explosões de canalizações de gás. Os governantes têm insistido em repetir que há planos de contingência para todos os casos.
São mentirosos. Não estão preparados para nada. Nem para incêndios florestais. Nem para pandemias. A pandemia da doença Covid19, provocada pelo vírus SARS-CoV-2, foi anunciada pelo menos em 2019, atingiu Portugal em Março de 2020 e passado um ano as autoridades não conseguiram ainda erguer um plano de contingência válido, não conseguiram adoptar medidas que evitassem a alta propagação da doença, enfim, demostraram ser o pior governo do mundo.
Tento imaginar Lisboa destruída por um maremoto ou por um avião de grande porte, prédios derrocados, explosões por todo o lado, incêndios, pessoas esmagadas e queimadas, aos milhares, e um qualquer dirigente político a sorrir diante das câmaras de televisão a dizer que tudo estava previsto e os planos de contingência e de ataque à catástrofe estão em marcha, que estava tudo controlado.
Os políticos são mentirosos. O Estado tem muito dinheiro porque o povo trabalha muito e os impostos directos e indirectos são enormes, mas esse dinheiro segue, antes de mais, para suportar as permanentes campanhas políticas demagógicas, com vista a eleições, próximas e futuras, e para assegurar o bem-estar dos privilegiados dos regimes. Em síntese, em Portugal, como na maior parte dos países, quase tudo se passa como na Coreia do Norte e em monarquias mascaradas de ditaduras populares. Em Espanha ou no Reino Unido, o monarca não manda, mas nas democracias republicanas ou monárquicas, o compadrio e o nepotismo imperam. Conhecemos bem casos de governos compostos por ministros que se podem agrupar em função dos graus de parentesco entre si. Quando um governo não é capaz de tomar as decisões acertadas em relação a uma pandemia e argumenta que “ninguém estava à espera de uma coisa destas”, que poderemos pensar sobre a forma como trabalharia na remoção de escombros à procura de sobreviventes e de corpos, sem estradas nem ruas nem pontes ou viadutos; sem abastecimento de energia, nem para frigoríficos?
Não. Nada está preparado para uma catástrofe esperada há décadas em Lisboa. Nem para um sismo de elevado grau, nem para a queda de um avião de grandes dimensões. E não há governantes capazes de o dizer, de desviar dinheiro de empreendimentos de maior rendimento de votos para as grandes necessidades.
Desde que comecei a entender a História que tenho grande aversão ao Marquês de Pombal. Mas que comentário me resta fazer além de lamentar não termos agora alguém com o génio e a capacidade de chefia do Marquês?
Diariamente todas as estações de televisão apresentam técnicos e cientistas com quem o governo e os ministros e o presidente da república poderiam aprender muito, se tivessem humildade para aprender.
Estamos condenados. Podia citar algum poeta ou escritor dos séculos passados que já tenha descrito esta perspectiva da natureza lusitana, mas para quê? Todos as conhecemos. Todos sabemos como somos. Sabemos que infelizmente quando alguém que se bate para mudar este estado de vida, estas políticas, na hipótese de chegar ao poder dificilmente muda as políticas. Nomeadamente a visão de que antes de mais está a necessidade de tratar do seguro de vida e subsistência da família e grupo de amigos.
Boris Johnson também foi leviano, ficou doente, ganhou algum juízo quando se viu perto da morte, voltou à leviandade e agora pede perdão pelos 100 mil britânicos mortos. Arrogante, o primeiro-ministro português não desce do pedestal, nem olha as suas vítimas (sim, suas vítimas e da incompetência de gerir a crise ou de dar lugar a alguém com capacidade) e o presidente da república tem sido incapaz de impor a sua pessoa e cargo e a lógica que salve vidas. Talvez este novo mandato lhe dê força e coragem para agir como português, como homem, com ousadia, em defesa dos que votaram nele e dos que não votaram nele.
Ou estamos condenados a ser eternamente um país de desgraçados?
Costumamos falar de sebastianismo. Parece que é altura de falar de marquesismo, embora com a certeza que o Marquês não volta e não se vê homem ou mulher com a virilidade necessária para impor um sistema de gestão que salve vidas de portugueses.
Orlando de Carvalho
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