Talvez tenha havido um tempo em que as tribos conseguiram
existir sem um chefe, conquanto mesmo entre os animais seja comum que algum dos
membros do grupo ou tribo dirija os demais. Talvez na espécie humana a vida em
comunidade e sem chefia seja mais um sonho ou uma esperança de um futuro
paradisíaco que um passado perdido ao contrário das teorias que defendem o
materialismo histórico.
A chefia da tribo concretiza-se de duas formas. Ou pela
força ou pela escolha dos seus membros através de um processo a que chamamos
normalmente eleição. Qualquer das fórmulas tem imensas variantes. Na primeira
estão incluídas as monarquias e as ditaduras. Mesmo as monarquias em regimes
democráticos tiveram a sua origem no poder absoluto conquistado pela força. Na
segunda, revêm-se as várias formas de democracia.
As tribos associaram-se e originaram as nações, que em
muitos aspectos são tribos grandes, mas as associações iniciais, quase
familiares, mantiveram-se.
É disto que trata, ou devia tratar, a eleição autárquica. A
assembleia, os vizinhos, elege aquele, ou aqueles, que passa a dirigir a
vizinhança, aldeia, bairro, ou outra estrutura que seja. O eleito deve ser
relativamente bem conhecido de quase todos os moradores no aglomerado
habitacional considerado e merecer a confiança destes para lhes resolver da
melhor forma os seus problemas.
Nisto deviam consistir as eleições autárquicas. Mas o
tribalismo está ultrapassado e as eleições locais tratam essencialmente de
processos em que umas associações de pessoas bem falantes e pouco dadas ao
trabalho, chamadas partidos políticos, tratam de ocupar os locais de chefia da
aldeia, do bairro, da vila, da cidade, de modo a viverem bem, normalmente é
mais de continuarem a viver bem, à custa dos residentes, e continuamente
prometendo tratar dos assuntos da Polis, isto é, da comunidade local, não
cumprindo, mostrando-se arrependidos, melhor, inventando justificações para não
o ter feito, e prometendo que desta vez é que é. E os membros da tribo, não se
sabe por que razão, continuam a eleger membros dessas associações, os tais partidos.
Em relação às nações, tudo acontece da mesma forma.
Os partidos escolhem pessoas da sua confiança que permitam
que os seus associados continuem a viver bem, trabalhando pouco enquanto
arranjam esquemas para as gentes da nação votarem nos seus candidatos. E as
gentes da nação, vá-se lá saber por quê, continuam a votar neles.
Deste modo, um bom homem que defendeu os interesses dos seus
conterrâneos nas Caldas da Rainha pode ser destacado pelo partido para ser
candidato por Loures, como se percebesse alguma coisa dali e mais tarde ser
candidato pelo seu partido em Leiria ou Faro.
Como pode um portuense ser presidente da Câmara de Lisboa ou
um lisboeta presidir à edilidade portuense?
Um deputado nacional eleito pelo Distrito de Bragança, deve
votar no Parlamento em defesa dos interesses daqueles que o elegeram ou de
acordo com as directivas do partido político que, em última análise, é quem lhe
paga o ordenado, quem lhe garante uma boa vida e quem, no final da carreira parlamentar
lhe vai arranjar um cargo profissional, num ramo que ele desconhece em
absoluto, mas que lhe vai render lucros na proporção em que foi fiel ao
partido? Ou deve ainda votar de acordo com o empresário que lhe pode garantir
no final do tempo de serviço parlamentar uma espécie de reforma milionária como
pagamento desse voto?
Parece que anda tudo maluco, pelo menos quem vota, quem dá o
seu cheque assinado e em branco, não sabe a quem.
A vida das pessoas e das comunidades não é, assim, mais que
uma brincadeira de crianças, um futebol. Apoio o partido X-ista ou sou fã do
partido Y-ista com o mesmo empenho que apoio o Benfica ou sou fã do Sporting.
Isto é uma vergonha!