Que arda a Serra de
Sintra[1]
Sobre a Serra de Sintra pairam durante a maior parte dos
dias do ano nuvens. Quem, vindo de qualquer lado, se aproxima desta serra,
mesmo em dia de sol, no Verão, ao chegar a Sintra deixa de ver o sol e sente
uma forte humidade atmosférica e a descida de temperatura. Isto não acontece em
todos os dias do ano, mas passa-se na maior parte deles. Existe uma correlação
entre a serra e o clima, comparável à que existe entre a galinha e o ovo. O
clima dá à serra uma imensa variedade de tonalidades verdes cobrindo-a completamente
de arvoredo e a serra impulsiona aquele clima tão característico. A humidade
alimenta a vegetação e esta liberta humidade que alimenta o clima. Claro que
existe a influência do mar, mesmo ali ao lado, mas também Sesimbra está mesmo
ao lado do mar e não desfruta nem da vegetação nem da humidade que existe em
Sintra.
Se a vegetação de Sintra fosse completamente eliminada, pelo
fogo, por exemplo, provavelmente se restabeleceria passado algum tempo, pois o
solo está bem fornecido de sementes prontas a germinar e a humidade vinda do
mar alimentaria uma nova vida da serra. Mas uma sucessão de fogos teria efeitos
catastróficos.
Também o deserto do Saara, tão perto de nós, terá sido um
dia uma floresta luxuriante, que secou.
Talvez esta introdução nos ajude a compreender o fenómeno do
eucalipto em Portugal. Um eucalipto não faz mal. Pelo contrário, há destas
árvores, antigas e de dimensão enorme, que regalam o olhar de quem por elas
passa e se detém a contemplá-las, além de libertarem agradável odor, sombra
reconfortante, um espaço circundante normalmente limpo de ervas daninhas e
permitindo que nos instalemos confortavelmente para merendar, ler, brincar ou
namorar e, em fim de vida, madeira.
Contudo, a questão do eucalipto é bem semelhante à de outras
árvores e olhando para os plátanos ou as mimosas podemos compreender melhor o
papel que ele desempenha na comunidade humana e na economia, em Portugal.
Não existem plátanos de nascimento espontâneo em Portugal,
pois se trata de uma espécie importada do Canadá e que não é favorável à
constituição fisiológica dos portugueses. Na Primavera, os plátanos libertam aquela
penugem branca que cobre o solo. Muitas pessoas se queixam de reacções
alérgicas, espirros e olhos a lacrimejar, quando estão próximas desse cenário
com aquela “neve” vegetal a cair das árvores e a cobrir o chão. Não obstante as
lamentações dessas pessoas, há muitos pareceres ditos científicos que explicam
que essas pessoas estão enganadas e que os plátanos praticamente não provocam
alergias. E alguém, ao longo dos anos, tem tratado de encher espaços verdes
dentro de escolas com árvores destas que, intuitivamente, sabemos serem
prejudiciais à saúde.
Também as mimosas proliferam no nosso país. Talvez por causa
das lindas flores amarelas – mas são tantas as pessoas alérgicas que, por causa
dessas flores, sofrem terríveis dores de cabeça! Mas as mimosas vieram à
conversa por outra razão: a sua grande capacidade de infestação e resistência.
Um bom homem plantou uma meia dúzia de mimosas num terreno
que possuía. Segundo contou a amigos, apenas para se entreter. Ora, elas
reproduziram-se, ocuparam todo o terreno, invadiram os terrenos dos vizinhos e
cobriram a serra. As mimosas alastram e conquistam terreno à custa da
destruição de outras espécies vegetais que lhes fazem concorrência. Passados
uns anos, os terrenos com mimosas podem ficar completamente inutilizados para
qualquer actividade agrícola ou florestal.
Muito pior que plátanos e mimosas são os eucaliptos.
Trata-se de árvores chamadas de crescimento rápido, ou ultra-rápido,
trazendo grandes vantagens económicas imediatas a quem as planta. Crescem
rapidamente porque conseguem absorver uma quantidade de água muito maior que as
outras espécies vegetais. Desta forma, os eucaliptos consomem toda a água
disponível e levam à morte, primeiro a vegetação rasteira, as ervas que cada
eucalipto seca em seu redor, depois todas as outras árvores do perímetro do
eucaliptal, com o passar do tempo, todos os terrenos na vizinhança se tornam
estéreis, pois a água é-lhes roubada pelos eucaliptos na sua ânsia de crescerem
e de beberem toda a água que conseguem para crescerem rapidamente. Assim são
esterilizados os terrenos onde se plantam eucaliptos: vai-se a erva, vão-se as
fontes, vão-se as outras árvores, vão-se todos os animais que precisam de água,
humidade e algum tipo de vegetação que lhes sirva de alimento, que não é o caso
do eucalipto, de que animal algum em Portugal se quer alimentar.
Ao fim de alguns anos, ainda que o terreno tivesse sido
fecundo como na referida Serra – e há tantos casos semelhantes a Sintra, nas
Beiras, ou havia – torna-se seco, a princípio não tanto como o deserto do Saara,
mas progressivamente incapaz de produzir qualquer tipo de riqueza económica
(comestível incluída). Demorará uns séculos a tornar-se um deserto,
provavelmente, mas em poucos anos pode ficar completamente estéril. Quando a
terra se torna grotesca e a secura cava fissuras, quando deixa de produzir
humidade e não tem vegetação que conserve a humidade, seja dentro das folhas e
dos caules, ou mesmo aquele orvalho debaixo das folhas, quando deixa de chover,
então a alegria da vida está em vias de se desfazer. Da mesma forma que na
Serra de Sintra, mas funcionando ao contrário, verifica-se a relação de ovo e
galinha: sem humidade no solo não se formam nuvens e sem nuvens não cai água no
solo. As únicas nuvens que se hão-de avistar passarão a grande altitude,
prosseguindo o seu caminho para outras terras e levando consigo toda a água que
carregam.
Inteligentes, os países ricos da Europa perceberam que
precisavam de eucaliptos para a produção de papel e outros materiais, mas não
quiseram desertificar os seus solos e pagaram a governantes pouco escrupulosos
ou de fraca inteligência para fomentarem em Portugal a plantação do demónio que
é essa árvore devastadora. E o povo percebeu, ou ensinaram-lhe, que plantando
eucaliptos podia resolver o seu problema económico e da falta de empregos,
podia deixar de recorrer à emigração, pois este negócio chorudo podia render
mais que os ordenados pagos aos emigrantes pela Europa fora.
Foi-se a erva, foi-se a floresta de espécies nativas e
húmidas, foram-se as fontes, os ribeiros e os caudais. Vieram as frutas e as
hortaliças, as carnes e os cereais, da Bélgica, do Chile ou da Nova Zelândia, e
os preços subiram.
E veio o fogo.
Um dia, um proprietário falou-me das mentiras que se diziam
sobre os eucaliptos. Depois de plantar estas árvores num terreno onde não havia
água, surgiu lá uma fonte. Disse-me que os eucaliptos eram bons para tornar os
terrenos húmidos a ponto de fazerem aparecer água onde não existia. Nunca
percebi se se tratava de estupidez pura ou se tentou fazer de mim parvo,
armando em chico esperto!
Diz-se hoje que a questão dos incêndios florestais é um
problema estrutural e de ordenamento do território. É tudo isso, mas muito
mais. É uma questão mesmo de traição. É danificar o património comum para
servir o interesse de alguns energúmenos e de outros ignorantes que tratam de
realizar rapidamente muito dinheiro, borrifando-se para os filhos, netos e
gerações futuras, que mais não serão que sangue do seu sangue e carne da sua
carne.
Ninguém sabe qual a razão por que desapareceram os
dinossauros.
Não está ainda explicado o que aconteceu à provável floresta
que existia no norte de África onde agora só há deserto.
Depois também ninguém saberá a razão pela qual Portugal terá
desaparecido.
Mas alguns continuam a dizer que os plátanos não fazem mal
às alergias e continuam a plantá-los dentro das escolas. Outros deixam as
mimosas reproduzir-se. Muitos plantam eucaliptos. E os fogos multiplicam-se. E
culpam o povo simples que continua a fazer as mesmas queimadas que sempre fez e
que precisa de continuar a fazer, mas que já não pode fazer, porque os
eucaliptos já modificaram o clima de Portugal e o país já não suporta as
queimadas.
Fazem-se leis para proteger os eucaliptos, mas não se fazem
as que são necessárias para evitar e combater os fogos. Discute-se que culpa
teve cada partido no estado a que chegámos, como se não fosse culpa de todos!
Na década de 1930 foi feita legislação importante para
evitar a disseminação de eucaliptos. Já anteriormente se tinham produzido leis
sobre esta matéria. E continuaram a fazer-se leis e mais leis, sempre para
combater o eucaliptal, mas sempre permitindo que mais e mais eucaliptos
continuem a ser plantados em Portugal.
Alguns parecem felizes porque estão a enriquecer. Mais tarde
são já muitos os que são tocados por essa felicidade aparente, porque afinal o
eucaliptal dá para muitos enriquecerem… enquanto houver solo disponível para
plantar… Eles não entendem que a riqueza que estão a criar não passa de
migalhas que caem da mesa dos senhores que precisam da pasta de papel mas não
querem eucaliptos nos seus países, nas suas terras. Apanham migalhas, feitos
burros, muito alegres porque pensam que estão ricos.
E o povo comove-se com um presidente solidário.
O povo comove-se com os concertos solidários.
O povo comove-se a escutar nas televisões os relatos das
tragédias das famílias enlutadas, que tudo contam para as câmaras. É o negócio
das televisões que assim enriquecem à custa da desgraça alheia.
E o povo agita-se e revolta-se quando alguém diz que há
culpados pelo estado a que chegámos dentro do seu partido, como se algum
partido tivesse alguma importância quando está tanto em jogo.
E o povo come e cala, sempre confiante na sabedoria dos
mesmos políticos, que pertencem às mesmas famílias que governam na democracia,
que governaram no Estado Novo, que tinham governado na I República, que já
governavam na monarquia e que continuarão a governar.
Orlando de Carvalho
[1] Muito se
tem escrito e dito sobre os fogos e os eucaliptos. Como em metade dessas
conversas se diz o contrário do que é afirmado na outra metade, é lícito,
lógico e necessário concluir que metade do que se diz e escreve, portanto
metade do que se ouve e se lê, é mentira. Que razões levam metade das pessoas a
tentar enganar a outra metade? É antigo o dito de que anda meio mundo a enganar
o outro meio, mas qual será a razão? Acreditamos que a ignorância de uns e o
egoísmo de outros ao defenderem o que é seu, mesmo atropelando os outros,
cobrem a quase totalidade dos casos. Acreditamos estar a contribuir para ajudar
as pessoas a esclarecerem os seus espíritos, sem partidarismos, sem clubismos, sem
filosofias nem misticismos. Aqui deixamos uma história resumida do eucalipto e
dos fogos e de como o mal de uns convém a alguns.
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