A minha mais antiga
reminiscência de abusos sexuais
No início da década de 1960, era eu um catraio sempre à
escuta e de olhos abertos, como é natural nos catraios. Havia muitas conversas
que os adultos não tinham perto de crianças, ao contrário do que sucede neste
século XXI. Desses assuntos, os adultos falavam à parte, em segredo, em
linguagem codificada, muitas vezes bastando proferir a frase mais aborrecida
para nós crianças:
- Agora não, que os tectos estão baixos!
Claro que o suposto tecto baixo poderia reflectir eco da
conversa e ela chegar aos meus ouvidos. É a interpretação que faço da
enigmática frase.
Não sei se alguma vez passou pela cabeça de alguém que fosse
possível ocultar tudo de uma criança. Pode criar-se um ambiente de solenidade,
de respeito, sentido de decência, mas basta muitas vezes uma palavra, até
metade de uma palavra, para a criança elaborar uma história, que frequentemente
coincide com a realidade. Outras vezes apenas inventa uma novela sem sentido.
A história que vou contar, foi um puzzle que eu construi a
partir de palavras e frases soltas.
No bairro alfacinha em que morávamos havia um consultório em
que dava consultas um médico com o mesmo nome e apelido que eu. Claro que eu
achava a coincidência engraçadíssima, embora não me lembre de alguma ter visto
do tal médico mais que a placa na porta da rua.
Ora, o que aconteceu foi um escândalo. Correu a notícia (que
não era boato) de que o tal homem se aproveitava especialmente de sopeiras, isto
é, criadas de servir, ou, na linguagem actual, empregadas domésticas. Nessa época
eram especialmente moças chegadas das aldeias que vinham servir em casas de
pessoas que tinham possibilidade de lhes pagar ou, mais frequentemente, de as
sustentar em regime de internato, dando-lhes cama e permitindo-lhes comer em sua
casa, em troca de todo o trabalho doméstico. Muitas vezes não passavam de Marias
Papoilas que chegavam sozinhas à cidade e sem perceberem eram logo recrutadas
para a prostituição. A muitas delas valeu a acção de agências como a ACISJF que
tinha colaboradores nas próprias estações ferroviárias em Lisboa que agiam
antes dos recrutadores de prostitutas. Mas este não é o caso da minha história.
Ora, o tal médico, grande devasso como mais tarde se
revelaria, sempre que atendia uma dessas raparigas serviçais, que por norma
eram honestas, analfabetas e ignorantes, confiando plenamente no senhor doutor,
mandava-as porem-se todas nuas para as consultar à maneira dele. Uma delas não
terá guardado o pretendido segredo e ultrapassou a vergonha passada e o assunto
correu todo o bairro, de boca em boca, mas sempre murmurado ao ouvido, como se
quem tomava conhecimento devesse sentir-se envergonhado enquanto o patife
gozava e se divertia.
Eu era miúdo e não sei como o caso acabou, mas a tal placa
não desapareceu e o médico deve ter continuado as suas consultas. E abusos,
claro.
É proibido proibir
Uma mão cheia de anos depois, acontecia o Maio de 68, em
França, onde emergiu como dirigente Daniel Cohn-Bendit,
conhecido por Dany Rouge, pelas suas inclinações pró-comunistas, então com 23
anos. Este revolucionário subiu na vida até ser deputado europeu. Ele escreverá
no livro Le Gran Bazar, em 1975, e referindo-se ao tempo em que trabalhara num
infantário, as seguintes palavras:
Aconteceu-me várias vezes que alguns miúdos me abrissem a
braguilha e começassem a acariciar-me. Eu reagia de maneira diferente segundo
as circunstâncias, mas o desejo das crianças era um problema. Perguntava-lhes:
'Por que razão não jogam entre vocês, por que razão me escolheram, a mim, e não
aos outros miúdos?' Mas se eles insistiam, então eu acariciava-os.
E há outros textos no mesmo sentido do mesmo autor.
Quando cerca do ano 2000 a comunicação social trouxe a lume
este texto, Cohn-Bendit queixou-se de ser alvo de perseguição política e
defendeu-se alegando que os pais das crianças do infantário terão testemunhado
que nunca terão existido abusos sexuais. E continuou como parlamentar,
vitimando-se por rebuscarem as malvadezes da sua juventude.
E a pedofilia nasceu
Por volta do ano 2000, a pedofilia começou a existir. Até
então, os actos pedófilos não eram levados em conta porque ficavam dentro de
casa ou as vítimas pertenciam às classes pobres e sem voz. O caso Ballet Rose
retratado na série de televisão homónima de Moita Flores põe em evidência o
quão pouco eram consideradas as crianças e os abusos e violações de que eram
alvo. Sabemos como a economia de países como a Tailândia depende do turismo
sexual com especial ênfase na pedofilia.
As crianças foram exploradas nas minas até à exaustão sem ninguém
se incomodar. As esposas de famílias operárias foram escravizadas para
enriquecer burgueses e capitalistas.
Hoje tudo mudou. Uma criança que ajude no negócio familiar e
seja menor de 15 anos será provavelmente retirada aos pais e entregue à Segurança
Social com o argumento de que está a ser vítima de exploração de trabalho
infantil. Ah! Há excepções. Se o trabalho da criança for na televisão, se for
na prática desportiva, no espectáculo em geral (exclui-se o circo, gente pobre
que não pode usar crianças nem animais), então a lei já não é válida.
Qualquer artista pornográfica tem direito a primeira página
se vier queixar-se que há 10 ou 30 anos atrás um então patrão abusou dela
sexualmente. Se tiver a sorte, ou souber inventar com alguma consistência, que
um candidato qualquer dormiu com ela ou lhe apalpou o rabo, pode ter a sorte de
ser entrevistada para a televisão.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Sempre assim foi.
Ai os padres!
As crianças foram e são abusadas por médicos, por
professores e treinadores, de educação física e de outras áreas, por vizinhos,
por tios, pelos próprios pais. Hoje felizmente a mentalidade das pessoas
evoluiu e a lei também, embora legisladores e juízes só muito lentamente tenham
acompanhado a mudança de mentalidades.
Todos os casos antigos foram arquivados. Todos não. Os
padres, vivos ou mortos, são chamados a responder por casos com 30 ou 40 anos,
mesmo que não existam provas. Os padres católicos, porque os pastores
protestantes, dirigentes das Testemunhas de Jeová e de outras seitas vão
escapando, muitas vezes com o apoio das famílias das vítimas.
Por que razão, então, a perseguição aos padres católicos?
A resposta é simples. Quem organiza e participa nesta
perseguição não está minimamente interessado em crianças abusadas, nem no
sofrimento ou felicidade delas, mas apenas em atacar a Igreja. Perdendo por
completo a vergonha, até pedem a demissão e prisão do Papa. E não precisam de
provas, nem as querem porque elas não existem. Se existissem já tinham vindo à
tona. E os católicos honestos ficam indecisos.
Não restam dúvidas de que há padres pedófilos, como há
médicos, professores, treinadores, patrões, vizinhos, pais. As vozes que se
ouvem não querem ajudar as vítimas, não querem moralizar os prevaricadores, não
querem normalizar a vida as pessoas, pois o seu único objectivo é apenas deitar
abaixo a Igreja.
Chega de pedir perdão. Castiguem-se os criminosos. E se só
castigarem padres, é porque os investigadores e juízes são corruptos e
desonestos, por si mesmos ou manipulados, e participam neste imenso ataque à
Igreja. Pensam talvez que acabam por matar Deus, não tendo inteligência
suficiente para entender que se Deus pudesse ser morto, ou acabar de algum
modo, tudo o que Ele criou acabaria também. Isto é, nós.
Sou católico, sou pecador. É uma vergonha que haja padres
pedófilos, mas não mais que médicos ou professores ou pais. Não tenho vergonha
de ser católico, nem professor, nem pai.
Ah! Entretanto, gente envolvida nesta perseguição e nos
chamados movimentos LGBTI*#?%$&!# preconiza a legalização de relações sexuais
entre pais e filhos, entre irmãos, com crianças, com animais, com mortos.
Talvez consigam legalizar tudo isso, mas não conseguirão tornar esses actos
honestos e morais, nem naturais. E talvez acrescentem uma alínea na lei
regulando a actividade sexual dos padres, tipo censura ou PIDE. Então não foram
já os padres proibidos tantas vezes ao longo da História em tantos países? Não foram
proibidos de pregar? De usar paramentos? A Igreja só o é, de verdade, quando
sofre.
Orlando de Carvalho