sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Beijinhos na praia

Estávamos num restaurante mesmo à beira de onde começa o areal. Corria uma brisa bastante fresca, mas o tempo estava agradável e preferimos almoçar na esplanada aberta ao Oceano que suportar o calor intra-paredes.
O almoço foi fantástico. Éramos quatro a partilhar, como entrada, uma sapateira com três quilos. E muito bem preparada. 
Quando olhávamos o horizonte... deparávamo-nos com todos aqueles tons de azul, alguns quase cinzentos. E alguns aventureiros testavam a areia. Outros atreviam-se a molhar os pés.
E pensávamos no cherne que estava exposto: cerca de metro e meio de comprimento! A língua, que se via dentro da boca aberta, era do tamanho da palma da minha mão. Sonhávamos apenas com aquela maravilha da Natureza, porque nem nos atrevíamos a  pensar no que seria o monstro numa mesa.
Aquele cenário nunca devia ser destruído mas acabou manchado. A princípio era um burburinho incompreensível. Uma senhora com um lulu de pelo branco encaracolado, algumas empregadas do restaurante, o patrão, mais umas acompanhantes da senhora do lulu. Depois um homem de barbas com um lulu preto, mas este pela coleira, ao contrário do primeiro que a dona transportava ao colo bem junto ao seu peito. Conversavam... apontavam... pareceu resolverem o que os atormentava quando os donos dos cães, os cães e acompanhantes se sentaram numa mesa na esplanada. O empresário terá admitido os cães na esplanada e não dentro de casa como as pessoas pareciam pretender. Ficaram quase ao nosso lado e podemos observar bem a ternura daquelas pessoas, que não levavam crianças, com os seus animais de estimação.
Vou dar de barato as esfregadelas de rostos e corpos, as festas e carícias, a partilha da mesa e dos alimentos, porque me centrarei num único gesto de ternura. 
A cena que não fotografei é facilmente imaginável mesmo com uma descrição pobre.
O homem e o lulu preto, ambos de língua de fora, lambiam-se mutuamente as línguas, cuspo humano com cuspo canino!
Que nojo!
Quão baixo pode descer o homem racional!
Falam de amor para com as criaturas de Deus, porque foi Deus que criou os animais e lhes deu uma alma igual à das pessoas, argumentam.
É difícil de acreditar mas, quando passou um vagabundo, um velho esfarrapado, a pedir esmola (sem lá se ele precisava de comer ou se tinha mais dinheiro que nós que frequentávamos aquele restaurante ligeiramente caro), a verdade é que o correram e ainda ficaram a rir com insultos jocosos à medida que o homem se afastava.
E tinham muita razão. Afinal, deduzo eu, baseado nos argumentos e atitudes daquela gente, a culpa ia toda para Deus. Então não é que o todo-poderoso deu alma e criou os lulus, mas não faz a mínima ideia de onde tinha surgido o velho vagabundo (seria de natureza espontânea ou criação do diabo?) e não lhe tinha dado alma.
Eu amo os animais e amo as plantas. 
Mas deparo-me frequentemente com pessoas que estão tão afectadas mentalmente que tratam os animais e as plantas como se fosse pessoas e olham para as pessoas como se fossem feitas de estrume.
Deus ajude estas pessoas depravadas que, à sua maneira, estão a destruir a obra do Criador.

Orlando de Carvalho

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