terça-feira, 3 de março de 2020

Transparência nos bancos alimentares

São recorrentes as discussões sobre o Banco Alimentar contra a Fome e Isabel Jonet.
Sejamos tão claros quanto possível para ficarmos esclarecidos e usemos apenas factos e evitemos congeminações.
O Banco Alimentar contra a Fome tem sido um factor essencial de apoio àquela actividade tão importante que as entidades de apoio à pobreza realizam.
Alguns, irracionalmente, estabelecem a ligação entre os bancos alimentares e o apoio que dão a organizações católicas, ou de direita política, para fazerem acusações políticas. Tanto quanto sei, não é recusado apoio a qualquer entidade em função do seu posicionamento político ou religioso. Querem os tais irracionais que gritam estes disparates que o Estado assuma o papel dos bancos alimentares, sendo estes exterminados. Esquecem-se que há bancos alimentares porque o Estado não cumpre a sua função social e alguém tem de zelar pelos mais frágeis da sociedade. Coitado do Estado! Nem para funcionarem minimamente escolas e hospitais, o Estado tem dinheiro. Não consegue remover o amianto, não tem controlado as dietas alimentares escolares. Mas cria-se um ódio extremo contra o Banco Alimentar contra a Fome apenas por inveja. Outros queriam fazer o que faz o BA, mas não conseguem porque partem de um princípio de ódio e isso só conduz ao insucesso.
Fazem-se acusações tão horríveis e criminosas a Isabel Jonet, que nem as reproduzimos.
Mas não nos podemos coibir de ver e referir uma outra série de factos em sentido diverso.
Sabemos que Isabel Jonet é oriunda de uma família abastada do Alentejo, mas pouco mais está acessível ao português comum. E por que devia estar? A senhora não tem direito à sua privacidade?
Quando alguém tem uma responsabilidade tão grande na sociedade, um peso desta dimensão, perde alguma privacidade e não pode viver escondida, nem sequer parecer que vive escondida. Pelo contrário, deve ter a noção que será escrutinada, como parte do papel que desempenha e isso é bom para que a sociedade civil seja saudável. Ela mesma deve favorecer esse processo. Privacidade pessoal é uma coisa diferente de exposição do trabalho público desenvolvido.
É o mesmo cenário que envolve um deputado, um autarca, o presidente de um clube de futebol ou um padre.
Afinal, em termos reais, quem é mais importante na sociedade portuguesa: a Presidente da Federação dos Bancos Alimentares ou os presidentes do Benfica, do Sporting ou do Porto? Aquela alimenta pessoas com fome. Estes manuseiam milhões no mundo do espectáculo (na verdade não se trata de desporto) em negócios sobre os quais a opinião tem imensas dúvidas e que apenas suporta porque o vício do jogo é mais forte que a força da razão.

Quanto maior for a responsabilidade pública de uma pessoa mais imprescindível se torna conhecer as suas ligações e interesses ao mundo das finanças, ou qualquer outro ligado ao poder e a existência eventual de incompatibilidades com as funções realizadas. A honestidade e a transparência não podem ser apenas presumíveis ou não contestadas, é imperioso que sejam publicadas.
Antigamente, as contas das paróquias eram anualmente afixadas na porta da igreja. Hoje há outros meios, mas importa que o princípio seja o mesmo.

O público tem que saber quem é Isabel Jonet, como é a logística dos bancos alimentares, quais são os resultados contabilísticos. Anunciar duas vezes por ano o total de toneladas de bens recolhidas em dois fins-de-semana em peditórios nas grandes superfícies comerciais, de pouco ou nada serve.

As grandes superfícies comerciais têm um proveito excepcional com as campanhas do Banco Alimentar. Isso não nos causa inveja, mas levanta-nos a questão de querer saber qual a razão pela qual as grandes superfícies são favorecidas em relação às menores.



Em determinada época de Natal, desenvolvemos, na área geográfica de uma Paróquia Católica aquilo a que poderíamos chamar mini banco alimentar, através do pequeno retalho. O ganho reverteu para a Paróquia. A adesão pública foi grande e revelou uma dinâmica promissora.

Em face deste acontecimento, eu contactei a Federação dos Bancos Alimentares a quem expus o meu pensamento. Parecia-me contraditório com os princípios dos bancos alimentares a opção preferencial pelos mais ricos, as grandes superfícies comerciais, contra os mais pobres, o pequeno retalho, o que ainda resta dele, e sempre em risco de fechar. O sector da economia que sustenta quando possível o emprego estável, pois as grandes superfícies admitem hoje para despedir daqui a seis meses – quantas vezes!

A resposta que recebi foi clara.
Na Federação dos Bancos Alimentares Contra a Fome sabem quem são as grandes superfícies e estas merecem-lhes toda a credibilidade e também a do público, o que não sucede com o pequeno retalho. Eles entendem que não conseguem controlar as doações se forem feitas nas lojas de bairro, nem evitar roubos ou desvios. Ao contrário das grandes superfícies comerciais onde a honestidade do processo está garantida, afirmam. Acreditam que os escuteiros que fazem o controlo no hipermercado não são aptos para controlarem na mercearia ou no minimercado.

Anteriormente defendi o Banco Alimentar e a Isabel Jonet em diversas discussões e fóruns de diversas acusações, mas perante a resposta que me deram, e na qual estou a meditar há bastante tempo, eu não vou mais comprar nas grandes superfícies para ofertar ao Banco Alimentar. Não porque duvide da honestidade das pessoas envolvidas, mas porque não entendo a mecânica do Banco Alimentar e deixei de confiar nesta organização. Eu confio totalmente no pequeno retalho que colaborou comigo e com a Paróquia na angariação de bens alimentares para os pobres.

Sei que não vou ter resposta compatível com a minha dúvida e sei que o meu texto não vai ter uma grande difusão na sociedade portuguesa, porque não estou ligado a organizações partidárias ou lobbies. Apenas fico bem com a minha consciência.

Orlando de Carvalho



 
Anexo 1
A minha carta para a Federação dos Bancos Alimentares
30 de Novembro de 2017

Bom dia.
Tenho defendido em conversas e nas redes sociais o Banco Alimentar dos ataques que lhe são constantemente movidos.
Todavia, há algo que me preocupa. A recolha de bens nas grandes superfícies é um impulso grande dado às vendas nessas mesmas superfícies, um favorecimento.
Na minha paróquia já desenvolvi acções semelhantes usando o pequeno comércio.
Por que razão não fazeis vós o mesmo. Porque não agir junto do retalho, de modo idêntico àquele que usais para com o Continente, Pingo Doce... esses grandes colossos que já prejudicam tanto o pequeno comércio?
Não seria boa ideia desenvolver as mesmas acções junto de todos os comerciantes?
Fico na expectativa das vossas notícias.

Orlando de Carvalho


Anexo 2
Resposta da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares Contra a Fome
11 de Dezembro de 2017
                                              
                                              

Caro Orlando de Carvalho

Respondo, em nome da Direcção da Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares, com algum atraso devido à acumulação de tarefas resultante da recente campanha de recolha de alimentos, à sua mensagem do passado dia 30 de Novembro, que começo por agradecer.

É sempre incentivador para nós saber que alguém acompanha o que fazemos e manifesta um interesse suficiente para dedicar tempo a esclarecer algum aspecto ou apresentar alguma sugestão que nos conduza a “fazer melhor”.

O incentivo é maior quando encontramos, como é o seu caso, verdadeiros amigos que nos defendem, como diz, “dos ataques que nos são constantemente movidos”.

Em relação à questão que nos põe:

É um facto que as campanhas de recolha de alimentos, realizadas duas vezes por ano pelos Bancos Alimentares proporcionam às superfícies comerciais onde são feitas um certo impulso às vendas, delas recebendo, como contrapartidas, a disponibilização do espaço e importante apoio logístico.

Porém, como certamente se apercebeu, já que, como diz, tem alguma experiência no contacto para iniciativas idênticas com o “pequeno comércio”, a credibilidade de quem pede é fundamental para o sucesso da iniciativa de pedir, sendo ao mesmo tempo, para quem dá, indispensável poder identificar a quem dá.

Estas duas realidades obrigam a que estejam presentes e recebam os donativos das campanhas, pessoas que se identifiquem como estando em nome do Banco Alimentar, cuja credibilidade é universalmente reconhecida. Acresce ainda a exigência de os bens doados estarem sempre acompanhados e ser necessário assegurar o seu transporte por Voluntários e carros dos Bancos Alimentares

O extraordinário número de Voluntários que dão apoio às campanhas dos Bancos Alimentares (cerca de 42.000 em cada campanha) possibilitam que as campanhas se realizem em praticamente todas as grandes superfícies comerciais mas não chegariam para pouco mais que uma escassa percentagem do “pequeno comércio”.

Caso fosse essa a opção, muito reduzido seria o contributo para os principais objectivos da realização destas campanhas que são o de alertar a Sociedade para o problema da pobreza e da fome e dar a conhecer o Banco Alimentar.

Estou à sua disposição para qualquer esclarecimento que deseje e teria todo o prazer em acompanhá-lo numa visita que queira fazer á nossas instalações

Os meus melhores cumprimentos 

José Manuel Simões de Almeida









2 comentários:

  1. Boa tarde professor, li com atenção o seu texto e que concordo.Eu, nos primeiros anos do BA, participei fisicamente no armazém em Alcantara,era um trabalho entusiasticamente gratificante, mas pouco a pouco começaram a aparecer jovens, sobretudo escuteiros e outros e a recolha acabava por parecer uma guerra que se traduzia muitas vezes pela destruição dos pacotes de géneros. Deixei de ir e o Carlos enviava mensalmente um cheque, que eu tentei continuar a fazer até ver que financeiramente já não era possível. Deixei mesmo de contribuir com géneros porque não concordo com o IVA que as grandes superfícies auferem. Sobre o pequeno comércio de facto nunca vi ninguém na recolha, o que é um erro porque aqui em Alfragide estão a aparecer pequenos comércios e que têm muita clientela, porque não temos muitos ou quase nenhuns transportes,e nem toda a gente tem carro e também há muitos idosos.Outra coisa que vai cativando as pessoas é que estes pequenos comércios fazem o que antigamente era habitual,têm um livro de débitos e as pessoas vão pagar no fim do mês.
    Temos uma grande comunidade de Timorenses que já vivem há muitos anos aqui, até da Damaia vêm,é só atravessar o IC19.
    Obrigada pelo que me enviou. Um abraço com amizade para vós Todos

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  2. Na verdade, "não vejo razão para a não aderência do pequeno comércio"...
    No entanto do que conheço desse comércio (e aqui no meu Concelho ...quase não existe...), não vejo grande capacidade de resposta e o publico que o frequenta (e que normalmente apenas a ele recorre para "as situações de emergência"), também me parece que embora pudesse dar uma pequena ajuda, ficaria sempre muito longe do que se pode conseguir nas grandes superfícies...
    É verdade que as grandes superfícies devem ganhar bastante com estas campanhas, mas como "evitar" que isso aconteça...sem que sejam os que mais necessitam a ficar prejudicados...

    Pena é que estas campanhas não possam acabar...porque o estado que "nos sorve" os rendimentos em impostos...não faz o que devia fazer, a diversos níveis...
    Dentro do que me é possível...continuarei a ajudar os BA, para que os mesmo possam acudir às necessidades mais básicas...de quem entre outras coisas...
    Passa fome...!

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