O objectivo que forçosamente tem de guiar qualquer pessoa
eleita presidente da Câmara é a gestão de subsídios, caso pretenda uma próxima
reeleição, para si ou para os seus correligionários. Uma comunidade
relativamente pequena vê-se a braços com a necessidade de sentir e mostrar que
está viva. Isto acontece através das associações e outros grupos equiparados
que animam a vida social com espectáculos de cariz mais ou menos cultural e que
se dedicam ao socorro aos mais carenciados e ao voluntariado.
Falamos de uma comunidade incapaz de produzir os seus
próprios meios de subsistência.
Acreditamos, sabemos, que há quem estivesse, ou tenha
estado, disposto a ser voluntário no investimento dentro da comunidade, na
expectativa de um retorno quase certo. E não se trata de investimento apenas económico,
pois numa comunidade de pessoas existe muito para além do dinheiro.
Gradualmente as pessoas aperceberam-se que quem arriscava,
perdia sempre. Perdia o que investia e, por arrasto, também podia perder o bom
nome, a dignidade. E fizeram a grande descoberta.
Afinal, o principal investimento era o subsídio!
O subsídio em dinheiro, um lugar num qualquer esquema
remunerado, para colmatar o desemprego ou para acumular com o emprego.
Um benefício feito a alguém chegado pode ser considerado
como a si mesmo feito e levar a família toda a votar com o objectivo de manter
a benesse de um dos seus.
Não se trata obviamente de corrupção criminosa, é mais uma
questão da… uma espécie da cunha tão preciosa aos portugueses. Um hábito que
parece não ter sido inventado pelo Estado Novo, como já alguém fez crer, mas
muito enraizado em todos nós desde há séculos. Estou habituado a conseguir,
muitas vezes, aquilo a que me proponho. Foi assim que me fui acostumando a
ouvir:
- E quem é que conhecias lá?
Ninguém, claro. Como clara é, em geral, a dificuldade em
conseguir seja o que for, no nosso país, sem cunha. Temos que nos agigantar
pela mais pequena coisa e, se muitas vezes eu consigo, muitas outras não tenho
o mesmo sucesso. Mas está errado e todos devíamos combater estas situações. O
mal é começarmos a pensar:
- E se muda o presidente e o meu sobrinho perde o tacho?
Em verdade, o tacho, na maior parte destes casos, não é mais
que qualquer coisa precária.
Já pensámos, eu e a minha esposa, em dividir o nosso tempo
em partes mais ou menos iguais entre a nossa residência principal, na região da
grande cidade, e Góis, na aldeia onde temos casa. Do meu pai aos meus netos,
toda a família se opôs.
E, pensando bem…
Todos os anos vimos a Góis, por períodos maiores ou menores,
mas quase sempre de passagem.
E o que progressivamente observamos é deprimente.
Tenho para mim que em Góis não há gestão administrativa
civil.
Depois das tristes querelas entre vereadores, que ficou? Que
benefícios advieram para a população? No concreto? Para as gerações futuras? O
que vejo, o que oiço às pessoas com quem falo, entristece-me.
A gestão autárquica em Góis é cada vez mais uma
administração de falência.
A GNR mudou para instalações mais amplas e certamente mais
modernas, mas a visibilidade dos seus agentes… foi-se. Passo uma semana no
concelho, sem ver um guarda! Por vezes uma viatura no parque do supermercado.
Não há pessoal, mas se é isso, para que serve a autarquia? Para gerir uma
entidade falida, que não funciona por falta de meios, ou para tratar de que
haja meios para que esteja operacional?
Se preciso de uma urgência médica de noite… Quem aqui reside
todo o ano sabe bem melhor que eu às humilhações a que está sujeito.
Bem reclamaram do fecho da escola de Ponte de Sótão, mas
alguém no país quis saber da ilegalidade que estava a acontecer? Que peso
tiveram as reclamações? Até onde chegaram? Os sucessivos governos centrais
impõem humilhação atrás de humilhação e todas as gestões autárquicas, que se
sucedem no tempo, sorriem e reverenciam.
Há quantas décadas, e O
Varzeense bem tem dado conta destas situações, de cada vez que vem a Góis
um Director Geral seja do que for ou um sub-sub-secretário da pasta menos
importante, até ao mais alto magistrado, que o discurso dos autarcas, sejam, no
tempo, quem forem, invariavelmente é a reclamar da falta de acessos. É mais
fácil telefonar para a China ou para a Patagónia ou mesmo ir até Madrid que
chegar a Góis. O eterno problema da 342. Todos ouvem e até parecem escutar respondendo
com sorrisos mas ninguém quer saber.
E em Góis… Sejam quem forem o presidente e os vereadores…
A culpa não é bem de um ou de outro presidente, é uma coisa
bem própria desta terra, embora exista pelo menos uma excepção que todos
conhecem. Um único que começou a dar a volta a esta terra, mas não terminou.
E se a questão em Góis é má, no país é péssima, porque é
mais ou menos generalizada.
Todavia, Góis tem uma particularidade, que não é só sua, mas
que me dói especialmente. Há aldeias fantasmas, mesmo na sede do concelho há
ruas fantasmas. A Câmara Municipal em breve não será mais que uma Câmara de
Falência, pois o concelho está falido. Talvez não financeiramente, mas de
estruturas, de património, de pessoas… Sempre a coberto dos governos centrais
que se vão sucedendo em Lisboa.
Arranjar dinheiro da CEE, que não era propriamente nosso,
para construir um campo de ténis, para um primeiro-ministro vir inaugurar e
depois despejar todo o dinheiro gasto no contentor do lixo, é bem demonstrativo
do desnorte dos políticos que temos.
Quando um governo voltar a rever a divisão administrativa do
país e encaixar Góis e as suas freguesias, umas no concelho da Lousã, outras no
concelho de Arganil, quem sabe se outras no da Pampilhosa da Serra, de nada
valerá chorar, ficará apenas a saudade e a consciência de não se ter feito o
que se devia.
Orlando de Carvalho, escrevendo de acordo com a Ortografia
Tradicional.