quarta-feira, 30 de maio de 2018

Falência de Góis








O objectivo que forçosamente tem de guiar qualquer pessoa eleita presidente da Câmara é a gestão de subsídios, caso pretenda uma próxima reeleição, para si ou para os seus correligionários. Uma comunidade relativamente pequena vê-se a braços com a necessidade de sentir e mostrar que está viva. Isto acontece através das associações e outros grupos equiparados que animam a vida social com espectáculos de cariz mais ou menos cultural e que se dedicam ao socorro aos mais carenciados e ao voluntariado.
Falamos de uma comunidade incapaz de produzir os seus próprios meios de subsistência.
Acreditamos, sabemos, que há quem estivesse, ou tenha estado, disposto a ser voluntário no investimento dentro da comunidade, na expectativa de um retorno quase certo. E não se trata de investimento apenas económico, pois numa comunidade de pessoas existe muito para além do dinheiro.
Gradualmente as pessoas aperceberam-se que quem arriscava, perdia sempre. Perdia o que investia e, por arrasto, também podia perder o bom nome, a dignidade. E fizeram a grande descoberta.
Afinal, o principal investimento era o subsídio!
O subsídio em dinheiro, um lugar num qualquer esquema remunerado, para colmatar o desemprego ou para acumular com o emprego.
Um benefício feito a alguém chegado pode ser considerado como a si mesmo feito e levar a família toda a votar com o objectivo de manter a benesse de um dos seus.
Não se trata obviamente de corrupção criminosa, é mais uma questão da… uma espécie da cunha tão preciosa aos portugueses. Um hábito que parece não ter sido inventado pelo Estado Novo, como já alguém fez crer, mas muito enraizado em todos nós desde há séculos. Estou habituado a conseguir, muitas vezes, aquilo a que me proponho. Foi assim que me fui acostumando a ouvir:
- E quem é que conhecias lá?
Ninguém, claro. Como clara é, em geral, a dificuldade em conseguir seja o que for, no nosso país, sem cunha. Temos que nos agigantar pela mais pequena coisa e, se muitas vezes eu consigo, muitas outras não tenho o mesmo sucesso. Mas está errado e todos devíamos combater estas situações. O mal é começarmos a pensar:
- E se muda o presidente e o meu sobrinho perde o tacho?
Em verdade, o tacho, na maior parte destes casos, não é mais que qualquer coisa precária.

Já pensámos, eu e a minha esposa, em dividir o nosso tempo em partes mais ou menos iguais entre a nossa residência principal, na região da grande cidade, e Góis, na aldeia onde temos casa. Do meu pai aos meus netos, toda a família se opôs.
E, pensando bem…
Todos os anos vimos a Góis, por períodos maiores ou menores, mas quase sempre de passagem.
E o que progressivamente observamos é deprimente.
Tenho para mim que em Góis não há gestão administrativa civil.
Depois das tristes querelas entre vereadores, que ficou? Que benefícios advieram para a população? No concreto? Para as gerações futuras? O que vejo, o que oiço às pessoas com quem falo, entristece-me.
A gestão autárquica em Góis é cada vez mais uma administração de falência.
A GNR mudou para instalações mais amplas e certamente mais modernas, mas a visibilidade dos seus agentes… foi-se. Passo uma semana no concelho, sem ver um guarda! Por vezes uma viatura no parque do supermercado. Não há pessoal, mas se é isso, para que serve a autarquia? Para gerir uma entidade falida, que não funciona por falta de meios, ou para tratar de que haja meios para que esteja operacional?
Se preciso de uma urgência médica de noite… Quem aqui reside todo o ano sabe bem melhor que eu às humilhações a que está sujeito.
Bem reclamaram do fecho da escola de Ponte de Sótão, mas alguém no país quis saber da ilegalidade que estava a acontecer? Que peso tiveram as reclamações? Até onde chegaram? Os sucessivos governos centrais impõem humilhação atrás de humilhação e todas as gestões autárquicas, que se sucedem no tempo, sorriem e reverenciam.
Há quantas décadas, e O Varzeense bem tem dado conta destas situações, de cada vez que vem a Góis um Director Geral seja do que for ou um sub-sub-secretário da pasta menos importante, até ao mais alto magistrado, que o discurso dos autarcas, sejam, no tempo, quem forem, invariavelmente é a reclamar da falta de acessos. É mais fácil telefonar para a China ou para a Patagónia ou mesmo ir até Madrid que chegar a Góis. O eterno problema da 342. Todos ouvem e até parecem escutar respondendo com sorrisos mas ninguém quer saber.
E em Góis… Sejam quem forem o presidente e os vereadores…
A culpa não é bem de um ou de outro presidente, é uma coisa bem própria desta terra, embora exista pelo menos uma excepção que todos conhecem. Um único que começou a dar a volta a esta terra, mas não terminou.
E se a questão em Góis é má, no país é péssima, porque é mais ou menos generalizada.
Todavia, Góis tem uma particularidade, que não é só sua, mas que me dói especialmente. Há aldeias fantasmas, mesmo na sede do concelho há ruas fantasmas. A Câmara Municipal em breve não será mais que uma Câmara de Falência, pois o concelho está falido. Talvez não financeiramente, mas de estruturas, de património, de pessoas… Sempre a coberto dos governos centrais que se vão sucedendo em Lisboa.
Arranjar dinheiro da CEE, que não era propriamente nosso, para construir um campo de ténis, para um primeiro-ministro vir inaugurar e depois despejar todo o dinheiro gasto no contentor do lixo, é bem demonstrativo do desnorte dos políticos que temos.
Quando um governo voltar a rever a divisão administrativa do país e encaixar Góis e as suas freguesias, umas no concelho da Lousã, outras no concelho de Arganil, quem sabe se outras no da Pampilhosa da Serra, de nada valerá chorar, ficará apenas a saudade e a consciência de não se ter feito o que se devia.

Orlando de Carvalho, escrevendo de acordo com a Ortografia Tradicional.

Sem comentários:

Enviar um comentário